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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: À bout de souffle (1960)



Para os amantes de filmes franceses, Jean-Luc Godard é um nome recorrente por conta da relevância  de seu legado com a Nouvelle Vague. A fase áurea de seu cinema durante a década de 60 ainda é reverenciada por quem produz filmes e por quem os assiste. A sua inovação na forma de se fazer cinema, nas temáticas e no desenvolvimento dos personagens acompanharam a também  transgressão de outros colegas cineastas como Alain Resnais e Agnès Varda. Seu primeiro longa, lançado no início da década, traz elementos presentes em filmes noir estadunidense, mas é na utilização de uma tradição que se faz a ruptura e Godard foi exemplar em explorar novos caminhos no mundo cinematográfico. À bout de souffle, ou Acossado em português, dialoga com a juventude inconformada de sua época, e transpõe em diferentes nuances, esse sentimento de se deslocar de valores tradicionais. 
Michel Poiccard, interpretado pelo feio mais atraente do cinema francês, Jean-Paul Belmondo, é um criminoso que fuma mil cigarros e usa chapéus que cobrem sua face. Transmite suas convicções em uma conversa aberta conosco e é destemido diante da lei. Seu ar despojado no entanto, não esconde seu lado romântico e mesmo com a sua vida em risco, ele anseia por sua amada norte-americana, Patricia Franchini. A personagem de Jean Seberg representa as mulheres independentes que adotavam suas próprias identidades naquele tempo. O movimento contracultura foi responsável por fomentar a sensibilidade de se desprender de imposições e o casal Michel e Patricia retrata veemente as mudanças no comportamento e estilo instigadas por meios alternativos de enxergar a realidade ao seu redor. 

Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo representaram um casal moderno 
através das lentes de Godard em Acossado (1960)

Fugindo de Marselha em destino à Paris, Michel reencontra a aspirante à jornalista Patricia vendendo jornais New Yorke Herald Tribune nas ruas. O convite de Poiccard é tentador, dormirem juntos e fugirem para Itália. Porém, a protagonista mostra-se relutante em conceder aos seus anseios. A inquietude deste em perdurar conquistas amorosas e econômicas contrasta-se com a inquietude em busca de reconhecimento daquela. Boa parte do diálogo entre os dois acontece no pequeno apartamento de Patricia, e o cineasta trabalhou de forma sútil o tom moderno do romance entre os protagonistas. A espontaneidade na suas atuações foge à seriedade e moralismo  entre casais vistos em filmes hollywoodianos até então. Michel incessantemente pede para dormir com Patricia, enquanto ela o provoca com sua insegurança em relação ao quanto ele realmente quer estar com ela. Ambos revelam ter dormido com várias pessoas, e no caso de Patricia, tal atitude, assim como seu estilo beatnik   eram uma afronta à sociedade puritana da época.
O jazz de Martial Solal na trilha sonora, marca a fugacidade de Michel e acompanha os jump cuts acidentais da edição do filme. As conversas saltam de forma brusca como a batida do jazz e a proza Beat. Não se fala de um casal hipster, Patricia tem suas ressalvas a mulheres que usam minissaia, trata-se de um casal que transmitia o que havia de verossímil entre os que não se encaixavam na normatização de seus papéis sociais.

''Quero que as pessoas me deixem ser eu mesma'' diz Patricia no seu eterno
conflito em se afirmar diante dos outros.


Acossado daria sequência a outros filmes de Godard em que a mulher ganha contornos mais distantes daqueles determinantes e sexistas até então. Patricia foge à representação de dama submissa de filmes noir  e dá lugar a uma mulher que decide por si mesma. Se é amada ou não, se deseja engravidar ou não e eventualmente, se vai delatar Michel para a polícia ou não. Sua decisão revela sua desilusão com as promessas e aventuras de um amor em detrimento de seus próprios sonhos. Não há indiferença total de Patricia em relação a Michel. Seu último adeus simboliza um gesto de intimidade que a relembrará de seu amante. 
O primeiro longa de Godard demarca uma era de experimentação na sétima arte que abala estruturas formais propagadas pelo mundo Hollywoodiano. Sua era inovativa se perde em meio a ideologias políticas e afastamento de anseios de uma geração que cresceu e se identificava com o seu trabalho. Apesar disso, revisitar o seu cinema é mergulhar em um turbilhão de ideias e referências culturais revigorantes. 


Jean Seberg na última cena de Acossado (1960)

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