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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Disobedience (2017)


[Friso que todos meus posts sobre filmes contêm spoilers] 

Algumas produções cinematográficas inspiradas em romances ,ou não, quando retratam casais LGBT, repetem um padrão de separá-los no final, mostrando que a sua união entre não pode ser consolidada. Carol (2015); La vie d'Adèle (2013) entre outros exemplos, apresentam casais de lésbica como foco de sua narrativa, porém, suas protagonistas enfrentam diferentes adversidades que as impedem de ficar juntas. É como se o amor lésbico não tivesse destino feliz. Embora esse fator não diminua a importância da representatividade L no cinema  o brasileiro "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho" ganhou fama internacional   a maioria filmes dessa categoria ainda são tachados como de baixa qualidade ou categorizados como pornôs. Obras como Desobediência, do mesmo diretor de Uma Mulher Fantástica, trazem personagens multidimensionais e assim, complexas, ampliando o lugar de identificação e de seriedade em relação às narrativas LGBT+.
Desobediência traz Rachel Weisz como Ronit Krushka, uma fotógrafa de origem judia que vive em Nova Iorque. Ela carrega consigo um olhar pesado e angustiante, além de uma vida solitária, transando com estranhos em festas após o fim do seu expediente. Ronit recebe a notícia de que seu pai, rabino que reside em Londres, morreu e assim ela parte para seu último adeus. Porém, logo descobrimos que a relação entre Ronit e seu pai, assim como entre os membros da comunidade judaica, não era amistosa. As escolhas que a filha distante fez eram consideradas uma traição aos princípios da religião e principalmente ao pai, figura maior e sagrada entre os membros da comunidade. A fotógrafa aos poucos se acomoda no lugar por reencontrar seu amigo de infância e protegido de seu pai, Dovid Kuperman (Alessandro Nivola). Quando Ronit revê outra amiga de infância,Esti (Rachel McAdams) e descobre que ela e Dovid são casados, há um clima de tensão no ar. A comunidade se mostra ofendida com a presença da filha do rabino, não só porque ela decidiu ter uma vida diferente daquela imposta para as mulheres dali, mas também porque ela e Esti foram no passado,flagradas se beijando pelo rabino. O conflito entre a moral religiosa e a mulher se faz como ponto principal a ser refletido por quem assiste à obra. A comunidade mantém valores patriarcais e Ronit representa o rompimento com todos eles. É interessante ver a protagonista tentando se encaixar naquela realidade para que possa ser respeitada. Mais do que um filme lésbico romântico, Desobediência questiona a manutenção de valores morais que restringem a mulher e conferem liberdade ao homem. Esse frame  de uma realidade muito maior mostra as estruturas patriarcais de forma sútil, mas ao mesmo tempo elas exercem uma enorme tensão que se cessará quando o amor entre as duas mulheres for maior do que qualquer amarra social e religiosa. 

Rachel Weisz transmite ao espectador as diferentes nuances de sua personagem: a dor, a rebeldia
 e o anseio pela libertação de seus conflitos internos


As duas se reaproximarão aos poucos. O olhar se configura como simbolismo forte no filme.A começar pelo poster oficial em que o olhar da personagem de McAdams transparece culpa ao passo que o de Weisz simboliza uma entrega apaixonada. Os papéis sociais de uma mulher pesam muito mais para Esti do que para Ronit, que se tornou uma mulher independente explorando seus próprios anseios. Para Esti, a liberdade é uma palavra masculina, mas por dentro,há o escape à realidade que vive. Ela confessa que sempre gostou unicamente de mulheres, e Ronit seria para ela, a única chance de explorar seus próprios desejos libertários. É importante questionar também porque a fotógrafa não se sente satisfeita com a vida independente que alcançou fora dali. A complexidade em entender a subjetividade das duas personagens torna o filme relevante na ampliação das dimensões do sujeito mulher no cinema. Em uma das cenas em que se beijam próximo a um parque, são flagradas por um casal que as denuncia para a congregação. Não demora muito para que a notícia chegue até Dovid e para que assim, o clímax do filme se traduza em um instigante questionamento: Por que a liberdade feminina ainda é algo a ser conquistado? 
Por muito tempo,a liberdade feminina tem sido distorcida  por dogmas religiosos que se transpuseram para a política e assim para a sociedade, e claro, outros fatores também determinaram o que significaria a liberdade da mulher. Em 2017, a luta feminista ainda prioriza a independência, no entanto, como mostrado neste filme, existe uma linha tênue e complexa que divide o moralismo e essa independência. Esti não é feliz em seu casamento porque sempre gostou de garotas ao mesmo tempo que para ela, princípios da bíblia judaica importam. Há teorias que datam desde o século XX que tentam simbolizar características de Deus de forma feminina como há também o judaísmo feminista que busca garantir a voz feminina ativa nas comunidades. Quando Esti se descobre grávida de Dovid, ela o pede a sua liberdade. Relutante, Dovid a concede após um discurso sobre livre arbítrio na congregação que tinha acabado de elegê-lo como o sucessor do falecido rabino. Apesar do afeto que as duas personagens nutrem uma pela outra, Esti decide ficar na comunidade ao lado de Dovid. Aquela era a única realidade que conheceu, no entanto, não podemos julgar as escolhas das duas mulheres e sim apreciar o fato de que, por mais que as escolhas que fazemos nos levem a caminhos insatisfatórios ou não, poder provar um pouco do que simbolizamos como liberdade, ameniza o peso da realidade que temos que enfrentar. 




Desobediência é um marco na produção de obras LGBT+ pois suas personagens femininas principais são complexas e conscientes de suas realidades sociais opostas.

Comentários

  1. Pessoalmente acho que foi um dos melhores filmes. Eu vi faz uns anos e devo dizer que adorei! Desde que eu vi o trailer fiquei suspresa. Pessoalmente adoro o elenco. Definitivamente Rachel McAdams fez um bom trabalho nesse filme como no Game Night filme. Eu amei o seu papel. Fez uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrego ao personagem. Esse é um dos trabalhos além de seus filmes novos de acao. A verdade adoro! Sempre superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver.

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    1. Oi Andrea, o filme é marcante, sem dúvidas. Merece mais reconhecimento. Agradeço muito a sua visita, abraços.

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