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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Die bitteren Tränen der Petra von Kant (1972)



Die bitteren Tränen der Petra von Kant, As Lágrimas Amargas Petra von Kant, em português, é um filme  alemão de 1972 do renomado diretor Rainer Werner Fassbinder. Foi durante esta época que o diretor explorou mais a fundo temas como solidão, homossexualidade e a hipocrisia existente em  dinâmicas de poder entre as pessoas. Provocar era com ele mesmo já que teve uma vida curta e marcada por extremos. O mesmo questionamento da banda Le Tigre ao diretor John Cassavetes na faixa What's Yr Take On Cassavetes  pode ser aplicado a Rainer: Misógino ou gênio? 
Pode-se afirmar que havia um certo sadismo no modo que ele construía seus personagens, e muito da sua vida pessoal foi inserido nas telas. Apesar de dividir distintas opiniões em relação a suas reais intenções cinematográficas, Fassbinder de fato foi um homem prolífico,  produzindo diversas obras, entre elas peças, antes dos 40 anos. As Lágrimas Amargas Petra von Kant nunca esteve na lista dos filmes preferidos do cineasta, enquanto encabeça a de vários fãs, e o motivo talvez esteja na sua intimidade mais dolorida que foi exposta de forma igualmente penosa. O filme se inicia com a designer de moda, Petra (Margit Carstensen) sendo acordada por sua assistente Marlene (Irm Hermann). Logo percebemos como funciona a relação entre as duas. Marlene é silenciosa e subserviente, mas sua condição se dá devido ao amor platônico que nutre por sua chefe. O seu olhar franzido e as constantes batidas nas teclas de datilografar, que é o som ambiente do filme, traduz-se como sua única voz, a voz do seu sentimento, como o som de algo repetitivo e cansativo, mas que se sabe que haverá um fim. Quando a prima de Petra, Sidonie (Katrin Schaake) faz uma visita, nota-se uma alusão, em concordância com as mudanças sociais da época, ao movimento feminista, no qual questões como divórcio, homossexualidade e de classe eram postas em pauta. O diálogo entre as duas traz a progressista Petra, que afirma estar cansada dos homens e que questiona o pensamento conservador e submisso que Sidonie tem no tocante ao casamento e ao papel da mulher. "Você evidentemente não está acostumada a mulheres que usam seus cérebros." afirma Petra. É importante observar que apesar da visão feminista da protagonista, ela ainda mantinha uma relação de poder opressora com a sua assistente, evidenciando as contradições que vão permear o longa. As nuances dominadora e independente que temos de Petra logo se desfazem quando ela conhece através de sua prima, a aspirante à modelo, Karin Thimm (Hanna Schygulla). A paixão se desvela a partir da dependência emocional que Petra projeta em Karin, enquanto Karin projeta em sua amante, à sua ascensão artística e financeira. Dessa forma, é possível traçar um paralelo entre a arte e a vida de Fassbinder. O diretor manteve relações tanto com mulheres quanto com homens, e ao se envolver com o ator bávaro, Gunther Kaufmann, as intenções deste eram similares àquelas de Karin.   


Petra e Karin vivem uma relação tão falsa e vazia quanto as manequins que decoram o quarto da protagonista.


  É importante destacar que Fassbinder e a atriz que interpreta Marlene, Irm Hermann, viveram juntos por vários anos e em 1977, ela declarou que sofria violência doméstica por parte do diretor. Irm era secretária dele quando a lançou no mundo do cinema e a reservava papéis de mulheres humilhadas. Eis aí outra projeção da vida real no mundo da arte. Outro aspecto notável é o pano de fundo do quarto feito a partir da pintura Midas e Bacchus de Possin. Midas se configura como a única presença masculina no filme  e a nudez do homem não anuncia o poder masculino,  uma vez que a história se centra em um romance feminino. Karin não poupa esforços ao humilhar a mulher que a ama. Ela reconta sua traição com um homem de forma sádica. Quanto mais Karin desdenha Petra, mais esta se joga aos seus pés. Quando Karin decide voltar ao seu marido, Petra se afunda na bebida e na sua autodestruição. Sua palidez se evidencia e dá lugar à vivida troca de figurinos e maquiagens. Este elemento se configura como simbolismo ao estado de espírito da personagem. Agora pálida e desolada, Petra precisa descontar sua raiva em alguém mais próximo. A cena seguinte de seu aniversário é um impiedoso espetáculo das relações abusivas familiares. A sua mãe, a sua filha e a sua prima são as únicas presentes no dia do seu aniversário e ela demonstra desprezo pela recente descoberta sexual da filha, pela presença de sua prima e pela submissão de sua mãe ao seu pai. A única pessoa que importa para ela é Karin, e ela alega isso ao dizer que o dedo mínimo da sua amada vale mais do que todas juntas. 

Ao perceber que Karin não iria aparecer mais em sua vida, Petra surta e quebra os presentes trazidos por sua prima. Só depois do completo desgaste emocional é que a protagonista se mostra arrependida de seus abusos e ciente de que o que manteve com Karin não era saudável. A cena que mais chama atenção é a que Petra pede desculpas à Marlene, alegando que tudo será diferente. Ao notar que a intenção da patroa não era amorosa, Marlene faz suas malas e deixa o quarto sombrio e solitário de Petra.  Uma das leituras que pode ser feita do filme dialoga bastante com a nossa atualidade. As relações abusivas que geram dependência emocional e que resultam na solidão. Cada vez mais, as pessoas se tornam individualistas e solitárias  por conta dos desgastes de relações anteriores. Conviver com a solidão não é fácil, mas o branco e o preto da cena final talvez seja a busca interior pela paz em conflito com  o lado sombrio da solidão. 



Sem extravagâncias e sozinha, a personagem  Petra é humanizada ao se mostrar arrependida de suas atitudes




Fontes:

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Bitter_Tears_of_Petra_von_Kant

https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/films/features/the-bitter-tears-of-petra-von-kant-loves-a-bitch-114613.html  

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