Crítica : Natural Born Killers (1994)
Satirizando a estreita relação entre a mídia e a violência, Natural Born Killers foi um filme lançado numa década em que uma série de massacres ocorridos nos Estados Unidos refletia claramente a urgência da obra. Oliver Stone, diretor do longa, tem um passado ligado à violência já que é veterano de guerra, como também é excepcional ao ironizar a mídia como em O Povo Vs. Larry Flynt. O roteiro de NBK foi escrito pelo mestre Quentin Tarantino ainda quando trabalhava numa locadora de filmes. Porém, sua obra prima, Pulp Fiction, lançada no mesmo ano que NBK, ofuscou este que é também um retrato altamente crítico da banalização da violência nos Estados Unidos.
O filme começa em preto e branco representando uma das melhores cenas do cinema ambientadas numa lanchonete — ponto alto dos filmes de Tarantino — com o casal Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) em meio a um massacre. Ao som da banda L7 (aliás a trilha sonora desse filme é impecável) a dupla mata todos os que estão na lanchonete deixando uma vítima viva para contar a história. Esse é o código deles. A fotografia que inclui a esporádica troca entre slow motion e ritmo acelerado é apenas um dos tantos recursos que enriquecem a obra visualmente. O passado de Mickey e Mallory é tenebroso. Mickey viu o seu pai cometer suicídio quando era criança. A vida de Mallory é apresentada como uma sitcom, na qual as famosas gargalhadas aparecem quando o pai abusivo e a mãe insensível interagem com a garota. Mickey aparece como o açougueiro que salva Mallory das garras do pai e ambos cometem seu primeiro assassinato ao incendiar a casa. Os flashes em preto e branco remetem ao passado deles antes de se unirem,pois, é assim que eles o enxergam. Eles estavam inibidos de seus desejos assassinos que agora ganham cor e liberdade.
Em poucas semanas, o número de mortes causadas pelo casal ganha repercussão na TV e logo eles são o novo caso retratado no programa American Maniacs apresentado pelo ambicioso Wayne Gale (Robert Downey Jr.). Vários assassinos em série famosos já foram expostos no programa. A palavra famosos abre um parênteses para o estranho status de celebridades que essas pessoas ganham. Até hoje Charles Manson recebe cartas de admiradores; Mickey e Mallory têm fãs em Paris, Tóquio, camisetas com seus rostos estampados, uma prova de que indivíduos que deviam ser repudiados pela sociedade são na verdade tidos como heróis.
Em uma cena, o casal está num quarto de motel e imagens de guerras são projetadas na janela. Na TV, Mickey assiste ao filme Scarface e depois a um documentário sobre reprodução animal. Violência é tudo que conseguem ver ao redor deles, é um instinto natural que foi externamente aguçado. Nós assistimos a todo tipo de violência na TV e nos mostramos passivos a isso. Se algum noticiário não mostrar algo relacionado, sentiremos um certo incomodo, como se isso fosse a peça chave que faltava para dar mais sentido a nossas vidas. O detetive Jack Scagnetti investiga o caso dos dois, mas está mais interessado em Mallory do que em Mickey. Logo sabemos o porquê. Ele não tem nada de bom moço da história, é um misógino que já havia matado uma mulher antes. Todos os personagens que aparentemente representam o lado bom da sociedade, são na verdade o mal dela. Wayne Gale aparece em um flash com chifres e banhado em sangue denotando o lado perverso da mídia. Mickey e Mallory parecem inocentes em meio a eles: não mentem sobre o que fazem, todos sabem quem são eles e acima de tudo se amam. Isso foi mal visto por parte da crítica que acreditou na incitação da violência. No entanto, se o filme não tivesse um quê de humor pesado e romance por parte do casal, a sátira de Oliver Stone perderia o sentido. Afinal de contas, quem não gostava do politicamente incorreto e de um romance explosivo mesclados nas telonas e também impresso em livros?. Isso é um frame de um quadro maior que representa uma cultura voltada à valorização do anti-herói norte-americano, branco e bem acompanhado. É só lembrar de Bonnie e Clyde!
Um ano após o casal ser preso, Gale tem a oportunidade de entrevistar Mickey ao vivo no dia do Super Bowl (o grande dia de celebração do orgulho nacional norte-americano). Os presidiários assistem à entrevista com olhos atentos como se Mickey fosse o porta-voz deles. Enquanto isso, Jack Scagnetti está na solitária com Mallory tentando seduzi-la. O diretor do presídio interpretado comicamente por Tommy Lee Jones nota um ar estranho; para ele, o casal é a prova de como ferrado o sistema está. Durante a entrevista, Mickey alega que ele e Wayne são de espécies diferentes. O assassinato é algo puro que a espécie de Wayne (mídia) tornou impuro e banal. Isso foi suficiente para causar uma rebelião no presídio, a mídia e a violência se fundem. Wayne segue o casal com devoção e os ajuda a atirar nos presidiários. Ele se torna um assassino, não nascido, mas por que a mídia e a violência eram uma só.
Os três escapam do presídio e Wayne acredita que um laço foi criado entre eles. Em nenhum momento Mickey e Mallory queriam fama. Ele oferece a sua câmera como meio de mantê-lo vivo, porém sua morte significou a destruição da mídia. Mais do que um filme sobre violência, NBK consegue ser mais visceral na forma como representa a alienação da mídia. A sensação que o casal cumpriu o seu dever se evidencia no final. Eles agora vivem em um trailer com seus filhos como uma família tradicional norte-americana. A mensagem que fica é que assassinos brancos conseguem impunidade e são venerados da mesma forma que são as famílias tradicionais e seus atos são perdoados por estarem adaptados ao mesmo sistema o qual um dia se rebelaram contra.
Comentários
Postar um comentário