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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Naked Lunch (1991)



É quase impossível desagregar a vida pessoal do escritor William Burroughs da sua escrita. Os motivos que o levaram a escrever estão vinculados a acontecimentos um tanto bizarros na sua vida. E é a atmosfera surreal que se encontra na sua mais renomada obra '' Almoço Nu'' que o diretor e fã do Burroughs, David Cronenberg, captura no filme Mistérios e Paixões, que considero a mais fiel representação cinematográfica da Geração Beat. Em outro post, resenhei sobre o romance que inspira o longa. Se você já o leu, nota os aspectos que o diretor retirou da obra, e assim o filme não te causa tanta estranheza como para quem não é familiarizado com o escritor. William Lee (Peter Weller no seu melhor papel), pseudônimo do Burroughs em Junkie, trabalha como dedetizador e descobre que sua esposa, Joan Lee (interpretada de forma exemplar por Judy Davis), rouba o inseticida que utiliza e acaba se viciando nele. É importante destacar a presença da complexa figura que a Joan Lee é. Ela é a mais imponente musa da Geração Beat. Além de ser amiga e por vezes amantes dos escritores do grupo, ela os influenciou em suas obras mais marcantes. Sua personalidade forte é reconhecida por Jack Kerouac na obra On the Road. Allen Ginsberg afirmou ter escrito seu ilustre poema Howl após um sonho com o casal Burroughs. Infelizmente, mesmo sendo uma musa, ela é retratada aqui já no auge de seu apetite por diferentes drogas. Sendo assim,pretendo em outro post, fazer uma crítica sobre outro filme da Geração que traz a Joan como protagonista.
Após ser preso por utilizar um tipo de inseticida ilegal, William começa a sofrer alucinações a partir de um pó de centopeia e se depara com uma máquina de escrever em formato de inseto falante que tenta convencê-lo de que Joan faz parte de uma organização chamada Interzone e que a sua missão seria matá-la. O teor Kafkiano se faz presente pelo ambiente paranoico e a conexão inseto e homem na crítica a uma sociedade burocrata. Essa organização é bem descrita pelo autor em várias vinhetas em Almoço Nu. Localizada em Marrocos, ela se constitui de um mercado onde todos tipos de drogas e favores sexuais estão à venda. Antes de embarcar para lá, William cumpre a ordem do inseto e mata Joan com um tiro acidental. Este fato realmente ocorreu, o que perseguiu o autor por toda a sua vida,  suscitando na escrita desse romance. 
Uma criatura denominada Mugwump, cuja forma física foi adaptada a partir do livro, sugere a William que desmascare a organização que controlava a sua esposa por meio de seus relatos.


Na Interzone, William conhece o casal Tom e Joan Frost. Joan, é uma doppelganger  da sua falecida esposa. Tom o informa que vem matando sua esposa aos poucos, indicando que os dois também poderiam ser o mesmo. Seria esse lugar um refúgio imaginário para aliviar a culpa que sentia da morte de Joan? 
A crítica ao comportamento lascivo encontrado lá talvez seja uma crítica a sua própria moral. A homossexualidade na década de 50 era algo considerado doentio, obsceno e as experiências de William na Interzone apresentam o mesmo tom. Sua distração dura pouco e William repete o mesmo ato que levou à morte de Joan, agora com a Frost. Os bichos com formas grotescas seriam também o próprio William. Em uma cena, ao invés de datilografar '' I'm very'' (eu sou muito)  ele escreve '' I'm vary'' algo como '' eu sou vários'' indicando os vários papéis que Lee assume no seu subconsciente. Sua função como máquina de escrever em forma de inseto é a de denunciar uma sociedade que reprime a sexualidade. A forma de inseto é presente, pois, está metaforicamente relacionada ao que causa nojo à sociedade. William Lee estava preso ao seu sórdido passado e temia a vida promíscua que adotara. Por pressão, sente-se obrigado a seguir os padrões de uma sociedade autoritária. É aí que William se locomove da Interzone para Annexia, um bloco soviético, mas visto como uma forte crítica ao controle do governo dos Estados Unidos sobre os cidadãos. 
 Tanto o livro quanto o filme são difíceis de destrinchar. Sua complexidade ainda é atual. O que conclui do longa é que a intenção de Crononberg era a de demonstrar na sua forma mais engenhosa, o processo de escrita do romance Naked Lunch. A maior conquista de Burroughs não é o romance, e sim ele mesmo. Um artista que alcança no mais fundo de sua mente torturada a depravação que se torna sua voz social. Voz essa que inspira até hoje inúmeros artistas na música, cinema e literatura. 

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