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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Visões de Joan Vollmer, a grande musa da Geração Beat

Joan Vollmer em Nova Iorque 1944, fotografia por Allen Ginsberg.

Cidade do México, 6 de de setembro de 1951. O intoxicado escritor da Geração Beat, William Burroughs, e sua intrigante esposa Joan Vollmer, encontravam-se embriagados e Burroughs decide chamá-la para participar de mais um jogo seu inspirado pela lenda de  Gilherme Tell. O truque consistia em atirar em objetos postos na cabeça de outro. A confusão do momento leva Burroughs a errar a mira, e ao invés de acertar o copo, acaba atirando na cabeça de Vollmer. Há algumas controvérsias a respeito desse acidente, porém é apenas por esse fato que muitos conhecem a fascinante mulher que Joan Vollmer foi. Ela não era escritora que nem os autores Beat, no entanto, é a responsável por uni-los e inspirá-los. Nascida em Albany,Nova Iorque, Joan Vollmer era uma mulher atraente, enigmática e provocante. Nos anos 40, enquanto seu ex-marido lutava na Segunda Guerra, Joan muda-se para vários apartamentos ao lado de sua amiga de faculdade, Edie Parker. As duas desafiavam o rótulo de donas de casa e não se importavam em compartilhar o lar com drogados, aliciadores e escritores. Edie e o ilustre Jack Kerouac começam a namorar e logo ele muda-se para o apartamento delas. Outras  figuras notáveis como Allen Ginsberg, Lucien Carr e Hal Chase se aconchegam e se tornariam prominentes Beats em alguns anos. Em 1945, Joan conhece seu futuro marido, William Burroughs. Segundo Allen Ginsberg, ela seria sua contraparte feminina. Os dois dividiam uma rotina incessante de uso de benzedrina, a droga do momento. A paixão pelas drogas não era o único motor do relacionamento dos Burroughs. Os dois se entendiam perfeitamente, chegando a se comunicarem apenas telepaticamente, bastava um olhar para o outro que muito se conversava. No ano seguinte, após a internação psiquiátrica de Joan por conta de um colapso nervoso e da prisão de William por conseguir drogas sem prescrição, os dois decidem mudar-se para o Texas, e depois para Nova Orleans,onde o lado insano e solitário de Vollmer se evidencia e  inspira várias obras da Geração Beat.
O Sal Paradise de Jack Kerouac na bíblia da contracultura, On the Road (1957), visita o casal na sua casa em Nova Orleans. Observando o casal, ele nota que ambos tinham uma voz ativa e intelectual que atraia a atenção de todos ao seu redor. Em um trecho do seu primeiro romance,Cidade Pequena, Cidade Grande, o personagem de Allen Ginsberg descreve Joan, aqui Mary Dennison, como uma mulher insana, porém precisa na sua percepção sobre a manipulação das pessoas por homens corruptos. '' Não há dúvida sobre o fato de que Mary Dennison é louca, mas isso é só porque ela quer ser louca''. Infelizmente, em On the Road, Sal também nota as diferentes particularidades dela, apontando os efeitos negativos da sua devoção pela benzedrina. Na adaptação cinematográfica do mesmo livro, o diretor Walter Salles captura a autonomia de Joan em relação a assuntos como sexo ao mesmo tempo que demonstra seu descontrole devido ao seu abuso da droga. Salles adiciona outro episódio de Joan que não foi relatado na obra, mas sim por outro autor Beat, Herbert Huncke, em que Joan trocava noites de sono por expulsar lagartos das árvores na sua residência. O filme pode não ter sido satisfatório em sua totalidade, mas a nuance de Joan interpretada por Amy Adams é admirável.

                                                                     Amy Adams como Joan Lee em On the Road (2012)

A homossexualidade de William Burroughs começou a ser um problema para Joan após alguns anos de casamento. Ela encontrava-se coxa, seus traços definhavam-se devido ao abuso de tequila e benzedrina, e não dava mais tanta atenção aos seus dois filhos, um concebido por Burroughs. O seu declínio físico foi notado pelo grande companheiro de viagens de Kerouac, Neal Cassady, em uma das suas cartas. '' Joan é frágil, sua repleta fragilidade é o seu forte.Com risadas afiadas, e declarações delicadas e oblíquas,ela molda os tópicos à sua disposição. Mas se você pedir um ângulo,o cabelo de Joan é emaranhado com poeira, eu disse; [...] '' . Mais uma vez, sua natureza audaciosa e seu declínio são contrastados, o que não apouca sua grandeza no meio literário da Geração. A cena homossexual e das drogas em Nova Orleans afastava William de casa. Preso por posse de heroína, Joan e seu advogado conseguem transferi-lo para um sanatório. Em 1949, ele é liberado e o casal muda-se mais uma vez para o Texas, o que dura pouco tempo e partem para o México. Sem benzedrina suficiente por lá, Joan recorre à tequila e às constantes reclamações sobre o uso de drogas de Burroughs. Em seu primeiro romance, Junky (1953), Burroughs cita vagamente as objeções de Vollmer em relação a seu vício.Em Agosto de 1951, Lucien Carr e Allen Ginsberg visitam a residência dos Burroughs na ausência de William. Ele troca a companhia de Joan por homens novamente, e parte para o Equador com Lewis Marker em busca de um alucinógeno chamado yage. 
Enquanto isso, Joan e os rapazes se aventuram em Guadalajara, onde Lucien e Joan tiveram um pequeno affair. O fato é retratado no cinema através do filme Beat (2000), no qual Courtney Love incorpora as visões mais notórias de Joan Vollmer, a intelectual e autônoma. Há quem questione a veracidade de algumas cenas do longa, mas o que se destaca nele é o protagonismo de uma mulher em um filme sobre os Beats. Ressaltam-se essas características por meio de suas opiniões fortes, que sempre fizeram parte das conversações entre os escritores quando compartilhavam o seu apartamento em Nova Iorque. A única falha do filme talvez seja em representar uma Joan de aparência saudável no auge de sua decadência física. Porém, acredito que a sua visão aqui se direciona a sua intacta ousadia. O filme termina com o acidente fatal citado no início desse post. 
Por que a figura pertinente de Joan Vollmer é pouco reconhecida? Acredito que a resposta esteja na tradição de ocultar a presença intelectual feminina na História, Literatura e Cinema. Há recentemente essa urgência em enaltecer o papel da mulher no curso das Artes. A Geração Beat que conhecemos não seria a mesma sem a sensibilidade que Vollmer despertou nos seus escritores. Allen Ginsberg não teria escrito seu prestigiado poema Howl, pois, sua inspiração surge a partir de um sonho com ela. Assim como Burroughs não teria deixado seu soturno e impactante legado. Em torno da trágica vida de Joan Vollmer, havia um mistério que deslumbrava todos que a conhecia. Mesmo anos após sua morte, ela continuou a intrigar seus companheiros. Seus registros se restringem  a raras fotos, passagens em romances Beat e cartas enviadas a Allen Ginsberg, que sem dúvida era o seu maior admirador. Acredito que há mais sobre sua relevância que ainda não encontrei. É, realmente Vollmer desperta a curiosidade em qualquer um que tente desvendá-la. 



Courtney Love como Joan Vollmer no seu último momento de vida em Beat(2000)

FONTE:
https://www.beatdom.com/visions-of-vollmer/

Comentários

  1. Obcecado pela Geração Beat! Adorei o texto! Obrigado.

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  2. Parabéns pelo texto ! Não tinha ideia desse filme de 2000 com a Courtney Love .

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    1. Obrigada Ronaldo, espero que consiga ver o filme com Courtney pois vale muito a pena! volte sempre =)

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