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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Análise: A Metamorfose, Franz Kafka (1915)



A partir do conhecimento sobre algumas obras do autor Franz Kafka, é possível deduzir que nelas encontraremos o homem marginalizado pelo meio em que vive. Em "O artista da fome", o personagem jejuador que é financiado por um empresário põe-se  no lugar de um animal, dentro de uma jaula, a fim de  atrair a atenção do público para o seu tipo de arte. No seu fim, é substituído por outro animal; validando o descarte daqueles que não servem mais para a continuidade do sistema capitalista vigente.  Em "A Metamorfose", bicho e gente também se misturam. A linguagem utilizada por Kafka nessas duas histórias denota certa normalidade ao descrever  fatos que para os leitores parecem bizarros. 

A mesma linguagem se repete em ''Na colônia penal'', em que um método de tortura engenhoso é descrito com neutralidade (para fãs de rock, a banda Nine Inch Nails bebe muito da imagética kafkaneana e isso está presente no vídeo de Happiness in Slavery de 1992.) Para muitos, a palavra metamorfose remete a uma ideia de liberdade e evolução, mas para o protagonista, isso tornou-se o seu trágico aprisionamento. Gregor Samsa  trabalhava como caixeiro-viajante para sustentar a família. De início, nota-se a preocupação de Gregor em chegar ao trabalho a tempo mesmo diante dos obstáculos que sua recente transformação lhe proporcionou.  
 Sem entender o porquê do pavor da sua família ao verem sua alteração, Gregor isola-se e a seguir, troca de papel com a família quando passa a ser o sustentado. O narrador onisciente observa essa mudança a partir do psicológico de Gregor. Apesar de não poder mais se comunicar verbalmente, sua cognição continuava ativa. Sua irmã  Grete, única nomeada na narrativa além de Gregor, era por quem mais Gregor sentia afeto. No entanto, ela foi decisiva para o seu fim ao não mais tratá-lo como irmão, e sim um monstro, segundo suas próprias palavras.
 Sua família apresenta características típicas de uma família patriarcal. Seu pai era severo, que se já o tivera machucado antes por ser ausente emocionalmente, foi o responsável por vários ferimentos físicos no novo Gregor. Sua irmã dedicava-se ao violino, porém, para o pai isso não significava muito. É a habilidade artística sendo reprimida da mesma forma que aconteceu na relação entre o pai e o autor da obra e uma analogia também às restrições da liberdade feminina. Ao longo da narrativa, o espaço em que o protagonista se aloja se torna sujo; sua vontade de alimentar-se diminui. A família retira do local as poucas coisas que ainda lhe faziam humano. Resta o abstrato inseto sem mais nenhum recurso humano para se apoiar. Ou seja, torna-se descartável diante do seu meio.
 Após a sua morte, a família passeia de bonde em um dia ensolarado e planeja encontrar um futuro marido para Grete, outro traço da sociedade patriarcal. A metáfora presente no conto é ainda atual. O leitor mais atento nota que não se trata apenas de um homem que se torna literalmente um inseto. Há várias interpretações acerca do que essa metamorfose significou. Ainda hoje há aqueles que não se adaptam de maneira adequada ao sistema e sofrem consequências danosas disso. Tornam-se inúteis e isolam-se do meio em que vivem, podendo se transformar em qualquer parasita que cause repulsa à sociedade. 



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