Crítica: Mysterious Skin (2004)
A trilogia do apocalipse
adolescente de Gregg Araki lançada em meados dos anos 90 retratava jovens,
geralmente homossexuais, entediados que buscavam no sexo, drogas e rock
industrial uma escapatória. Essa trilogia consagrou o diretor como cult, mas foi
massacrada pela crítica que a viu como fútil. No entanto, anos mais tarde, Araki
busca atrair um público jovem novamente, dessa vez tratando de temas como a
sexualidade com mais seriedade. Em Mysterious Skin, o diretor ainda tem uma
pegada meio apocalíptica, usando uma teoria alienígena por exemplo, só que a emprega com um sentido bem mais sensível do que nos seus outros filmes.
A história se inicia com o relato
de um acontecimento narrado por duas visões distintas. Para Brian, as memórias
daquela noite não são muito claras. Ele tinha 8 anos e só lembra do instante em
que o jogo de beisebol acaba e quando acorda na entrada de sua casa com um
sangramento nasal. Nesse intervalo, Brian acredita ter sido abduzido, já que
tinha uma imagem turva de um ser estranho tocando o seu corpo, o que explicaria
o seu sangramento.
Somos convencidos dessa versão até
temos o relato brutal e realístico do que realmente ocorreu de acordo com outro personagem chamado Neil.
Ele e Brian treinavam beisebol juntos com o mesmo treinador. Na noite após o
término da partida, ele leva os garotos para a sua casa. Neil, com a mesma
idade de Brian, já sabia o que aconteceria ali. Sua mãe Ellen estava sempre
acompanhada por vários namorados, o que levou Neil a sua descoberta sexual
ainda na infância. Ressaltando que seu primeiro contato com o treinador não foi
o que o tornou homossexual, para Neil aquilo era uma ingênua iniciação sexual. Atraindo Neil com brinquedos e carícias, ele o
molesta. A intenção do diretor foi causar repulsa a esse ato. As cenas não são explicitas, obviamente,
porém, o modo como o agressor age anteriormente já é suficiente para causar um
desconforto.
Neil se torna um garoto de
programa aos 15 anos, mostrando-se indiferente aos perigos que o submundo
oferece. Sua melhor amiga Wendy, descreve
seu coração como um buraco negro. Ela sabe que Neil precisa de ajuda e o
convida para passar um tempo com ela em nova Iorque para arrumar um emprego.
Enquanto isso, obcecado com teorias alienígenas, Brian conhece uma garota
chamada Avalyn por meio de um programa de TV, alegando que também foi abduzida.
A conexão entre os dois acaba quando ela tenta transar com ele. Brian é um adolescente retraído demais para ter um contato físico com alguém. Até que um dia,
encontra uma foto do antigo time de beisebol e reconhece Neil na foto.
Acreditando que ele também foi abduzido naquela mesma noite, vai em sua busca.
Neil fica sabendo sobre Brian ainda em Nova Iorque por meio de seu amigo Eric e
decide voltar para casa.
Neil arranja carona com um homem
que o estupra. Mais uma vez o diretor tem a intenção de causar horror. Araki
foi preciso em distinguir uma relação homossexual normal e um abuso. A violação não tornou Brian gay. A impressão que temos é de que ele é assexuado. Joseph
Gordon-Levitt sabia do peso que seu papel lhe proporcionaria, mas não
desaponta. A maior preocupação de um jovem nos filmes anteriores de Araki era
se o mundo acabaria a qualquer instante. Nesse, a de Neil era se ele
conseguiria permanecer vivo para retornar à casa.
No reencontro dos dois, Neil o
leva para a casa do treinador a fim de acertar as contas. Brian reconhece a luz
azul na frente da residência, mas as coisas só se encaixam plenamente quando adentram a
casa e sem encontrar o treinador, Neil resolve contar tudo o que
ocorreu naquele dia e naquele mesmo local.
Mais angústia adolescente diz um dos letreiros do filme Totally Fucked Up de Gregg Araki. Ele também
poderia ser utilizado nesse para descrever o estado de Brian após tudo ser
explicado. A trilha sonora shoegaze, comum nos seus filmes, cria uma atmosfera
delicada em meio à confusão mental dos rapazes. Raramente algum filme consegue retratar
os danos mentais e físicos que um abuso pode causar de maneira tão sutil como
em Mysterious Skin. De fato, o mundo parece estar no seu fim quando alguém tem
que lidar da sua própria maneira com as consequências de um abuso.
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