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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Relatos salvajes (2014)




Arrisco-me a dizer que o cinema argentino está  mil anos luz a frente do brasileiro no que concerne o gênero comédia atualmente. Enquanto as comédias daqui parecem redundantes, as de lá são inteligentes e dignas de concorrer ao Oscar. Esse é o caso de Relatos salvajes do diretor Damián Szifron. O filme tem uma proposta um tanto ousada. Seis histórias distintas se unem apenas pelo mesmo tema: a vingança. Pessoas civilizadas são tomadas pelos seus instintos mais primitivos gradativamente no longa. O suspense que liga o fim de uma narrativa e o início de outra é essencial para manter o espectador atento. 
No primeiro capítulo, Pasternak, dois passageiros de um avião, uma modelo e um crítico de música,  começam a conversar sobre seu dia a dia e descobrem que têm um conhecido em comum, Pasternak. À medida que falam sobre ele, outros passageiros ouvem e também afirmam conhecê-lo, o cômico é que todos têm alguma queixa sobre ele. Quando um  deles se levanta e pergunta se todos ali sabem quem é o cara, nota que o fato não foi uma mera coincidência.
 Em Os Ratos, uma garçonete recebe um cliente nada agradável no restaurante em que trabalha. O candidato a prefeito já causou alguns danos a sua família. A cozinheira do local, que já foi presidiária, aconselha a envenenar o prato dele. A garçonete fica relutante, mas a cozinheira acaba colocando o veneno mesmo sem a sua permissão. Para ela, não tem nada de errado em fazer mal a quem não tem a moral de governar uma cidade.
O terceiro capítulo, O Mais Forte, retrata a igualdade social de maneira bem inusitada. Fora da civilização urbana, o dono do carro com maior poder aquisitivo não tem autoridade sobre o de menor. Uma briga fútil no meio do deserto leva os dois homens a uma disputa quase interminável e com fim atroz. Quando a polícia chega ao local, conclui que o crime foi passional pelo fato dos dois estarem em uma posição de igualdade.
Bombita traz um dos grandes nomes do cinema argentino no papel principal. Ricardo Darín, interpreta um especialista em demolições que é injustiçado ao ter seu carro guinchado. Sua revolta com o departamento de trânsito de Buenos Aires aumenta quando o seu veículo é guinchado indevidamente pela segunda vez. Enquanto isso, seu casamento parece desabar. A burocracia de sua história até lembra a de Joseph K. do romance O Processo, do autor Franz Kafka. Quando chega ao seu limite, ele vinga-se da maneira mais cabível a suas habilidades.
A penúltima narrativa, A Proposta, não é tão cômica como as outras cinco, porém, apresenta uma crítica sensata à corrupção do homem pelo meio em que vive. Um jovem de classe média atropela uma grávida, mas a família não quer sujar a sua reputação entregando o filho. Ao invés disso, tenta convencer o modesto caseiro a assumir a culpa. Junto ao advogado, a família orquestra um plano, porém o promotor do caso percebe um erro e negocia parte da grana com o advogado. Vendo que também poderia tirar vantagem da situação, o caseiro cobra mais do que lhe foi oferecido em troca de sua responsabilidade pelo crime.


Encerrando o ciclo de narrativas, temos a mais divertida delas. Até Que a Morte Nos Separe, lembra o título de um recente filme de comédia brasileiro, mas os poucos minutos em que a história é apresentada têm uma qualidade superior  à  continuação do brasileiro. Em sua festa de casamento, o casal alegre só tem olhos um para o outro. Até que a noiva descobre que na verdade, o seu amado já dormiu com uma das convidadas da festa. O desastre chega a proporções tanto hilárias quanto inesperadas. A atriz Érica Rivas realmente deu um show a parte no papel da amável,  e agora histérica,  noiva. No fim, diferentemente das outras histórias, há uma reconciliação do casal através de um dos instintos mais primitivos do homem, o sexo. 
O longa é genial ao demonstrar distintas formas de como o homem rompe com o seu  frágil contrato social. A selvageria em que cada uma delas chega não é tão absurda visto que podemos nos identificar facilmente com os personagens. Em meio a tanta injustiça, corrupção, traição, como se vê no filme, o limite entre a civilidade e a barbárie nos desafia. 
Todas as atuações são exemplares. A personagem da noiva lembra muito as mulheres retratadas nos filmes de Pedro Almodóvar, que também  produziu o longa.  Relatos Selvagens pode não ter levado o Oscar de melhor filme estrangeiro na última edição da premiação, mas tem o seu mérito como uma das melhores comédias do cinema atual.

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