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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: La Double vie de Véronique (1991)



O diretor polonês Krzysztof Kieslowski soube como nenhum outro expressar poeticamente os sentimentos mais inexplicáveis a nós. O ponto alto de suas obras é a sútil subjetividade que  aproxima o telespectador ao mesmo tempo em que desperta as questões que mais rodeiam tais sentimentos.  Na sua trilogia das cores, Kieslowski explora o simbolismo da bandeira francesa. Suas protagonistas experienciam de maneira física ou metafísica cada lema. No primeiro filme da trilogia, A Liberdade é Azul (1993) , Julie (Juliette Binoche) sofre com a perda da família em um acidente, e  tem um momento de consciência após uma tentativa de suicídio. A libertação de sua dor ocorreria ao se desenvencilhar de tudo e todos que fizeram parte da sua vida até então. A cor azul atua como um link a sua vida passada, da qual, eventualmente, não consegue se desassociar. A conexão entre duas vidas se faz presente também em A Dupla Vida de Veronique. Na Polônia, a jovem aspirante a soprano, Veronika (Irène Jacob), decide visitar sua vó doente em Cracóvia. Antes de partir, ela relata ao pai um sentimento estranho, como se não estivesse sozinha no mundo. Veronika enxerga o mundo de cabeça para baixo através de uma bolinha transparente que carrega consigo na viagem. Ao chegar na praça da cidade, ela se depara com um protesto violento e ao avistar um ônibus com turistas, vê a sua doppelgänger. O termo surge de uma lenda que significa sósia, ou duplo de um personagem, e que se conecta ao seu idêntico por laços afetivos e emocionais de natureza sobrenatural. No meio do caos, Veronika encontra uma mulher idêntica a si, porém, o êxtase do momento dará lugar ao infortúnio. Ainda de acordo com a lenda, ao encontrar seu doppelgänger, '' essa pessoa está vendo a sua própria alma projetando-se para fora do corpo para assim embarcar para o plano astral.''
Veronika sente forte dores no coração, mas decide continuar seu caminho até a casa da vó. Um dia,ao visitar uma amiga que participa de um coral, Veronika acompanha o vocal, que surpreende a todos e recebe a proposta de cantar numa orquestra sinfônica. O sensorial das obras de Kieslowski transmite uma melancolia, sendo um dos seus melhores meios de sensibilizar o espectador. Confesso que a cena de apresentação de Veronika me comoveu da mesma forma que a trilha da cena final de A Liberdade é Azul. O poder das cores também é outro ponto forte em A Dupla Vida de Veronique. O filtro verde-vermelho denota o outono, ao mesmo tempo que sugere a delicadeza da protagonista. Todos os cinco sentidos são trabalhados de forma magistral. A sua aproximação da janela de vidro  transparente representando o espelhamento em si mesma. O leve movimento do seu corpo ao fazer amor com seu namorado. O close no seu olhar cada vez em que se encontra absorta no próprio sentimento. Veronika daria seu último suspiro ao emitir uma longa nota no momento de sua apresentação.




Na segunda parte do filme conhecemos Veronique, também interpretada pela mesma atriz, que vive em Paris e sua história se passa após a morte de Veronika. As duas apresentavam estilos de vida idênticos,no entanto, a parisiense altera o rumo que a polonesa levava. Veronique abandona o soprano, e faz exames em um cardiologista. Sendo assim, evita os passos que a conduziriam ao destino de Veronika. Trabalhando como professora de música, ela leva sua turma a uma apresentação de marionetes, em que a personagem se transforma em borboleta após a morte. Talvez uma metáfora em relação às personagens?
Veronique se encanta pelo marionetista, que deixa pistas anônimas no apartamento dela com o intuito de induzi-las ao seu encontro. Em uma noite, ele deixa uma cassete com gravações de passos e pessoas falando em um metrô. Enquanto ouvia a fita,Veronique sente a presença de alguém em sua casa. Ela pergunta várias vezes se há alguém lá e não obtém resposta. Acredito que seja uma manifestação espiritual de Veronika, que segundo à lenda mencionada acima, o doppelgänger pode aparecer de forma invisível como um conselheiro.Ela decide prosseguir com as pistas e descobrindo o metrô da fita, encontra o marionetista e começa um relacionamento com ele. Outra teoria é que a dupla personagem também se manifesta por meio de conhecidos. Considerando que Veronika se incorpora no namorado de Veronique a fim de se conectar, explica-se então, a foto de Veronika encontrada por Veronique nos materiais dele e  as suas marionetes idênticas. O marionetista, que também é escritor, lança depois de um tempo um livro sobre a vida de duas mulheres idênticas, remetendo às jovens mulheres. 
O jogo entre destino e livre-arbítrio representados respectivamente por Veronika e Veronique, gera um questionamento sobre o quanto objetos e pessoas são responsáveis na nossa passagem pela vida. Uma fita que Veronika enrolava em seu dedo com extrema força simboliza a árdua luta para manter-se viva. A mesma fita designa a vida quando Veronique a amarra no seu eletrocardiograma, indicando um desfecho no seu problema de saúde. Filmes em que a subjetividade é explorada de maneira envolvente dificilmente passam batidos por mim. Ainda me sinto muito conectada à trilogia das cores. Há quem prefira filmes com roteiros mais diretos sem muitos toques de subjetividade, no entanto, podem-se extrair de ambos  indagações sobre a vida. Há muito que pode ser analisado dessa rica película; e muito disso não se explica precisamente. A Dupla Vida de Veronique é afinal, um filme que instiga a descoberta de um mundo de coincidências e paralelos em que todos nós nos encaixamos. 



Comentários

  1. Belíssima crítica. Já assisti A Dupla Vida de Veronique 3 vezes e em cada uma delas tive uma experiência diferente. As obras de Krzysztof Kieslowski definitivamente me encantam.

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