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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Breaking the Waves (1996)



O diretor dinamarquês, Lars Von Trier, é conhecido mundialmente por sua recente Trilogia da Depressão. Partindo do ponto de vista feminino, o diretor insere suas protagonistas em situações que desafiam a moral no contexto em que se encontram. Justine, da segunda parte da trilogia, Melancolia (2011) vê-se pressionada a uma vida feliz a partir do casamento. Sua família prefere insistir nessa ideia do que ouvir o seu tormento interior. Ela sabe que o casamento, a vida doméstica e conformismo são meros passos para a sua profunda depressão. Já Joe de Ninfomaníaca - volumes I e II, é uma mulher '' viciada em sexo'' que em certo ponto percebe que o ato não a completa e entra em um mundo sádico, em que sua dor se torna seu maior prazer. Em ambos filmes, Von Trier não poupa sua crítica à hipocrisia da sociedade, que condena veemente as mulheres que vão de encontro às suas imposições relacionadas à feminilidade. Por basear sua crítica com mulheres que pagam o preço pela deturpação da ordem natural das coisas, o diretor tem a fama de controverso e misógino. Porém, é relevante discutir o papel da mulher em seus filmes, pois, todas apresentam complexidades singulares, aspecto não muito comum no cinema. Em Breaking the Waves (Ondas do Destino), o diretor situa sua protagonista em um mundo religioso e rigoroso, onde a voz feminina é silenciada. Emily Watson incorpora Bess McNeill, uma mulher devota e bondosa cuja pureza se expressa no seu singelo olhar. Na cena inicial, vemos Bess defender a estadia do seu marido estrangeiro na sua comunidade escocesa. Sua assertividade diante de homens puritanos, já indica uma oscilação naquele ambiente opressor. Isso se segue ao tomar a iniciativa do ato sexual no dia do seu casamento.Seu marido, o dinamarquês Jan (Stellan Skarsgard), trabalha numa plataforma de petróleo, e após um acidente que o deixa paralisado, Bess se culpa por ter pedido a Deus que de alguma forma o afastasse do trabalho para que ficassem juntos. Ela, então, entrega-se aos cuidados do seu marido a fim de se redimir. É importante não confundir sua decisão como uma submissão. Apesar de sua aparente ingenuidade, Bess é uma mulher que conhece a perda e a desolação de perto desde a morte de  seu irmão. A protagonista será capaz de qualquer coisa para que não se aproxime da insanidade mais uma vez.


A decência  de Bess se difere da que se prega na Igreja. O local é visitado para que ela tenha uma conversa íntima com Deus, várias vezes mostrada no filme, e em que ela mesma assume o papel Dele, mostrando assim, o embate entre a força e fraqueza, que se põem em prova nas  situações mais difíceis. Os moradores locais esperam de Bess um papel  obediente e não questionador. Mas Jan sabe que há algo de transgressor em sua companheira. Depois de perceber frustradamente que não podia realizá-la sexualmente, Jan sugere que ela faça amor com outros e lhe conte os detalhes. Bess hesita, mas há algo maior nela que diz sua gentileza traria  a cura do seu marido. Assim como em Mônica e o Desejo (1953) os olhares das protagonistas cruzam com o da câmera em um pedido de perdão pela sua infidelidade ao mesmo tempo em que esperam o entendimento e complacência  do espectador. Bess acredita que sua espiritualidade é mais forte que qualquer tempestade e não se abala pelos julgamentos que circulam na cidade sobre seu atual comportamento. 



A natureza, com forte simbolismo na filmografia de Von Trier, exerce aqui, além do pano de fundo para a divisão de capítulos do longa, o interior de Bess. À paisagem estática, adiciona-se algum elemento que se move, nuvens, água, representando a perturbação de seu interior pacato. O sacrifício de Bess não satisfaz mais Jan, que concorda em não mais vê-la. A comunidade acredita que a  sua promiscuidade é indício de loucura e que precisa ser internada. Toda vez que uma mulher tenta romper com essas ondas do destino, impostas desde cedo, são consideradas suspeitas, histéricas, e que a palavra do homem sobre ela é a última. Portanto, incompreendida pela sua mais pura autonomia e bondade, Bess é apedrejada, excomungada, estuprada e ninguém a ouve. Bess representa milhares de mulheres que são afogadas por persistirem em atravessar ondas diferentes. Seu aspecto destemido remete à Joe de Ninfomaníaca. As duas experimentam sua sexualidade por motivos distintos, mas ambas não obtêm a satisfação e contentamento esperados e sim uma destruição e consequente sentimento de culpa. A culpa, que a mulher carrega consigo há tanto tempo e que internalizamos. Por que será que essas mulheres não se realizam completamente? A resposta se encontra na sociedade que trata a nossa liberdade sexual como doentia, e nossa ingenuidade como fragilidade. Ambas pagam o preço pela liberdade de escolha sobre seu corpo, boa ou má, mas que parte sobretudo, da vontade própria. 


Note a semelhança entre as vestimentas de ambas protagonistas.

Por fim, Lars Von Trier retrata nesse que é o primeiro da sua Trilogia do Coração de Ouro, a intolerância da sociedade diante daqueles que genuinamente lutam por uma causa. Bess lutou pela consolidação do amor e ganha injustiça em retorno. O bom coração de outras mulheres na trilogia também é desenganado, sendo Dançando no escuro (2000) o filme o qual mais me emocionei pela tamanha sutileza e poesia que se encontram na protagonista da Bjork. Há quem odeie o cinema de Lars, mas sempre me pego perplexa diante de personagens tão multifacetadas. Não acredito que o diretor é profundo conhecedor da alma feminina,tive meus problemas com Anticristo (2009), porém sua filmografia é prato cheio para uma discussão ampla relacionada aos diversos olhares sobre o feminino, que apesar de tantos avanços no retrato de sua subjetividade, ainda há muita inexatidão em destrinchá-la nas telas. 

Comentários

  1. Me tocou profundamente sua análise. Talvez por passar por uma depressão sem cura. Sugiro uma critica ao filme .Gloomy Sunday" de 1999 que também me tocou muito.

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    1. Oi. Verei esse filme que citou, obrigada pela visita ao blog. Nunca recebi a notificação do seu comentário, estou vendo apenas agora.

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