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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Les Cowboys (2015)



Na França, tem-se configurado uma das situações mais delicadas em relação à imigração árabe. A xenofobia se dissemina após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos e se acentua atualmente devido à série de ataques terroristas efetuados pelo Estado Islâmico em Paris. Por fatores históricos e linguísticos, o país tem uma enorme comunidade árabe, mesmo com tal diversidade, a sociedade ainda enxerga esse povo como homogêneo, sendo preconceituosa na sua visão a respeito dele. O diretor Thomas Bidegain tenta contextualizar uma história comovente entre pai e filha mas esquece de se sensibilizar com o lado árabe envolvido na obra. Na década de 90, uma família do interior da França, passa o tempo livre em festas country, nas quais Alain demonstra sua afeição paterna por sua filha Kelly dedicando suas músicas para ela. O filme começa enfadonho por conter seus 10 minutos iniciais de danças repetitivas. Porém, logo ganha tensão por conta do desaparecimento de Kelly no local. A família descobre por meio de suas amigas, que Kelly se encontra constantemente com um muçulmano. Iniciando um busca incessável por sua filha, Alain traça um caminho de ódio contra todos ao seu redor, adotando o comportamento de um típico pai patriarcal, ignorando uma carta da garota que alega sua escolha independente de fugir com seu namorado. A sua ira trespassa a dificuldade em encontrá-la e se estende a uma indiferença em relação aos sentimentos dos mais próximos, levando ao fim do seu casamento e a uma fria relação com seu filho Kid. O longa segue um tempo cronológico, e anos depois, Alain ainda insiste em buscar mais informações sobre a localização de Kelly. 



Criamos altas expectativas sobre o reencontro à medida que Alain encontra mais pistas sobre seu paradeiro, mas nos frustramos em todas elas,  o que torna o filme um tanto repetitivo. O seu desrespeito diante de muçulmanos que tentam trocar informações sobre o casal é um reflexo da atual intolerância francesa quanto a esse povo. O pai de Ahmed, namorado de Kelly, descobre que ela se converteu ao islamismo e  agora vive sob o nome de Aafia. Alain se envolve tragicamente em um acidente, e Kid assume a direção na contínua jornada. A segunda parte do filme é de fato mais interessante, porém não menos lúgubre. O ano de 2001 é marcado pelo atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque. Kid vê nisso uma oportunidade e se voluntaria em uma ONG no Afeganistão. Lá, ele se torna amigo de um norte-americano, cujo humor rompe com o ritmo lento e sórdido do longa. Kid acaba avistando Ahmed acompanhado por uma mulher totalmente coberta, acreditando ser Aafia e os segue até a sua residência. Carregando uma arma, o francês atira no árabe, remetendo à obra filosófica O Estrangeiro. O filme reduz os muçulmanos a uma imagem violenta ao mostrar Kid sendo linchado por vários após tentar escapar da cena do crime. No entanto, acerta ao retratar a opressão da mulher fortemente enraizada na cultura islâmica. A esposa de Ahmed no momento não era Aafia, mas sim uma mulher que assim como ela sofreria as mesmas consequências por ter sido acusada de cúmplice no crime. Em uma cultura que leituras radicais da religião islâmica restringem plenamente a liberdade da mulher, o seu único destino em uma situação como essa seria a morte. 
É evidente o aumento no número daquelas que tentam estabelecer sua própria autonomia, principalmente após a Primavera Árabe. Não dá para comparar o empoderamento feminino de lá e o ocidental, uma vez que muitas repudiam o ideal de liberdade deste, acreditando que ele é uma forma de se subordinar ao opressor ocidente. Kid consegue trocar a liberdade da esposa de sua vítima por um relógio de ouro, evidenciando mais uma vez a falta de valor da mulher na região. 


Ela relata a Kid a valentia de Kelly em se libertar das mãos de Ahmed, e portanto, vê-se de certa forma livre também após o seu assassinato. Adotando a cultura ocidental e casando-se com Kid, nos convencemos de que se ele não encontrar a sua irmã, ao menos salvou alguém que desejava outra realidade. Talvez o desejo de Kelly também seria retornar a sua antiga realidade, mas é difícil acreditar nessa visão, uma vez que ela já não era a mesma há muito tempo. É essa a mensagem que se transmite no tão esperado encontro dos irmãos. O olhar consternado que trocam entre si revela a estranheza que o tempo resultou e sem trocar palavras, os dois sabem que o tempo não cura feridas, mas as amenizam para que se possa seguir em frente. 
Apesar da comovente mensagem, o filme de 2015 ressalta a visão fechada em relação ao islamismo. Em um território renomado por sua democracia como também por uma população muçulmana e judaíca, vemos atualmente um combate ao grupo jihadista, o mesmo do ataque Charlie Hebdo, ao mesmo tempo em que a islamofobia cresce devido à alta aceitação da Frente Nacional francesa, partido de extrema-direita e xenófobo. Enquanto o Fundamentalismo for retratado como a única realidade islâmica, menos se compreende suas individualidades e mais se afastam dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. 

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