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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Ms.45 (1981)


No início da década de 70 até meados dos anos 80, muitas obras capturaram a atmosfera arriscada e suja de uma Nova Iorque problemática. Al Pacino e Robert De Niro interpretaram memoráveis protagonistas dessa sórdida realidade. Em The Panic in Needle Park e Serpico, Al Pacino encara a corrupção do meio em que vive seja por conta das drogas ou devido à má condutas. Já em Taxi Driver, Travis Bickle do De Niro  ambiciona por um fim nela. Em 1981, uma protagonista feminina é vítima dos caminhos tortuosos que se encontram na cidade e põe em prática seu desejo de exterminar o perigo iminente que circula por esses caminhos. 
Ms.45 conta a história de Thana (Zoë Tamerlis) uma jovem muda e costureira que transpira ingenuidade no início do longa. Em uma tarde após sair do trabalho, ela é estuprada à mão armada por um homem mascarado que ameaça cometer o abuso novamente. Thana chega ao seu apartamento amedrontada, e é surpreendida por um ladrão que também a estupra. Porém, percebemos uma alteração no assustado olhar da garota, que adquire força suficiente para assassinar seu estuprador. A rápida perda de sua inocência indica que no fundo havia uma valentia adormecida ao ponto de cortar o ladrão em pedaços e guardá-los em sua geladeira e ficar com o seu calibre 45. No entanto, Thana ainda é uma vítima, e seu dano psicológico é inevitável. Ela tem visões sobre o estuprador e assume comportamento estranho no trabalho. Exige-se das vítimas uma mesma reação: a de procurar algum motivo que a fez pedir por isso. As mulheres que tentam seguir em frente logo após o transtorno são tidas como suspeitas, é como se fosse uma obrigação se martirizar e se desculpar de alguma forma pelo que houve. Não precisamos ir longe para notar isso, um recente caso de estupro grupal no Brasil estampa essa cruel realidade.



Thana, apesar de muda, não se deixa ser silenciada e adotando a imagem de uma femme fatale, ela se sente dona de si e de seu corpo, matando aqueles que tentam desonrá-lo. As noites nova iorquinas exalam violência, sendo seus protagonistas  traficantes, prostitutas, ladrões e estupradores. A cada tiro, Thana sabe que está poupando uma vítima indefesa. O filme é feminista ao passo que denuncia o perigo que priva a mulher de andar livremente, sendo a arma uma resposta à cultura do estupro, a mesma que defendemos ainda hoje o seu fim e que ainda é ignorada pelas autoridades. 
Uma das suas colegas de trabalho se defende das cantadas dos homens por onde passa, enquanto outras temem reagir, mostrando assim como o machismo se internaliza na sociedade. Thana percebe o desejo sexual que seu chefe sente por ela e mesmo enojada, aceita seu pedido de acompanhá-lo à festa de Halloween do local de trabalho. Fantasiada de freira, Thana e sua fiel companheira executam todos ali que alguma vez já a assediou.
O filme pertence ao gênero exploitation, e vemos a personagem perder o controle de sua vingança e atirar naqueles que não chegam a assediá-la. Sua incapacidade de discernir o mal deve-se a naturalização do mesmo nela. Não significa que ela seja culpada, mas sim tão vítima quanto aqueles que uma vez corrompidos  não encontram mais salvação. O pior mal está na sociedade que não se importa com a deterioração alheia acreditando estar imune dela. Na verdade, estamos todos inseridos e somos todos responsáveis pela sua propagação. Thana acreditou que estava fazendo sua parte,porém se não há humanidade suficiente ao seu redor, o individuo acaba  desnorteado.
Ms.45 não apresenta um ótimo roteiro, porém a transformação da sua heroína confere o seu maior significado. Considerado cult, o diretor Abel Ferrara entrega uma triste e motivadora obra sobre a ainda atual condição feminina que luta,com a voz ao invés de uma arma, contra o silêncio que se impôs ao seu gênero.






* A banda de rock L7, lançou em seu álbum de estreia, uma faixa inspirada no filme. Vale a pena conferir não só ela, mas todo o incrível álbum.





Comentários

  1. Excelente texto.

    Ferrara explora lindamente temas muito à frente de seu tempo. Um filme mais atual do que nunca.

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  2. Obrigada pela sua visita ! Agradecida :)))

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