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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: She's Beautiful When She's Angry (2014)



Na década de 60, as sementes da contracultura na década anterior, espalharam-se em massa nos Estados Unidos, levando boa parte de sua diversa juventude a enraizá-las e cultivá-las com fervor. O movimento estudantil, o movimento pelos direitos civis, os hippies, e o movimento das mulheres se interligavam a favor da liberdade de expressão e da garantia de direitos fundamentais. O racismo, o preconceito de gênero e o conservadorismo gritavam na América do Norte. As medidas do presidente John F. Kennedy a fim de eliminar  esse retrocesso encontravam um impasse, a maioria da bancada apoiava os segregacionistas. Os gastos com a Guerra do Vietnã eram prioritários, e com a pouca relevância que o presidente seguinte obteve com seu ato de direitos civis, vários estudantes se organizavam com o objetivo de reivindicar por uma sociedade mais justa e igualitária. As pessoas de cor lutavam pelo fim da segregação contando com a força da palavra do líder Martin Luther King Jr., ao mesmo tempo que mulheres se guiavam pela revolucionária obra A Mística Feminina de Betty Friedan. Esta, ao lado de outras líderes liberais, formaram A Organização  Nacional de Mulheres, que lutavam pelos direitos iguais entre homens e mulheres, lema básico do movimento em geral conhecido como segunda onda do feminismo. Porém, as pioneiras do movimento eram mulheres de classe média que por um certo tempo, focaram somente nas questões relacionadas à liberdade corporal, sendo que a realidade de uma branca e rica não condizia a de uma negra  e pobre. As mulheres de cor da época se organizaram então, dentro do movimento dos Panteras Negras. Nele, discutia-se sobre a formação política dos jovens, a falta de oportunidades socioeconômicas e o autoconhecimento sobre os seus corpos. O feminismo se lapidava aos poucos, abrindo seus horizontes a outras problemáticas do mundo feminino. O despertar dessas mulheres, suas consequentes implicações e evoluções são retratadas neste documentário fantástico que se faz atemporal, pois a luta da mulher é uma constante. 



She's Beautiful When She's Angry coleta os depoimentos das principais porta-vozes do feminismo entre meados da década de 60 e 70. O documentário peca em se concentrar muito mais naquelas que representavam a mulher branca e de classe média, apresentando um fato ou outro relacionado à luta das latinas e negras. Senti a falta da militante mais perigosa dos anos 70, Angela Davis. É fato que se tenta apagar a militância feminista de muitas décadas da nossa História, por isso, apesar dos erros, o documentário se torna precioso não apenas para o seu reconhecimento, mas também para formar a consciência de uma nova geração que ainda tem sede de resistência. É interessante notar que o antagonismo que as primeiras gerações enfrentaram é o mesmo de hoje. Há ainda quem persiste em dizer que nosso lugar é em casa, que não sabemos pelo que estamos lutando por. Enfim, após décadas de conquistas, há quem ousa em deslegitimar a luta. É gratificante e ao mesmo tempo frustrante ver como essas mulheres lidavam com as objeções. Tinham momentos em que os próprios homens do movimento as calavam com insultos e apologias ao estupro. As feministas debatiam incessantemente sobre a liberdade de nossos corpos em relação a vestir o que quisermos, ao aborto, mas temiam a masturbação e homossexualidade. Exigem-nos hoje a responsabilidade por qualquer tema controverso, e o que esse documentário reflete é que as feministas da nova geração possuem muitos mais recursos para esclarecer os tabus do que as gerações anteriores. Sendo assim, deve-se reconhecer o esforço dessas em publicar livros com cunho interseccional, e protestarem por meio da música, passeatas e congressos. O feminismo fez com que elas percebessem que eram capazes de uma liberdade genuína. Porém,apesar de pequenos grandes passos, elas pisavam em vários espinhos enraizados pela sociedade conservadora. As suas principais demandas eram o direito ao aborto e direito a creche para crianças para que as mulheres fossem ao mercado de trabalho. No entanto, o governo de Nixon veta o projeto de lei que garantia este último. Muitas afirmam que essa foi uma das maiores derrotas do movimento. 





Mesmo com a árdua luta na garantia de direitos, as principais líderes, como Denise Oliver-Velez , Rita Mae Brown e Mary Jean Collins falam desses dias com certo humor, mostrando que a sensação de liberdade progressiva é prazerosa para qualquer mulher. A Conspiração Internacional Terrorista Feminina do Inferno (em inglês W.I.T.C.H) era formada por mulheres de esquerda que marchavam vestidas de bruxas pela Wall Street em Nova Iorque a fim de ''amaldiçoar'' o sistema capitalista opressor. Outras marchavam com o intuito de ironizar o comportamento masculino de cantar as mulheres. As intervenções tiveram forte impacto na mídia, levando ativistas a atos mais ousados como a invasão do concurso Miss América e da Estátua da Liberdade. O registro em vídeo dos feitos emociona aquelas que seguem o mesmo caminho das pioneiras. Sendo o mais valioso o que garante legitima visibilidade ao movimento, a greve geral das mulheres em agosto de 1970. 50 mil mulheres, de diferentes classes, raças, profissões, marcham em Nova Iorque, carregando consigo uma série de reivindicações correspondentes. Organizada pela mesma autora que inicialmente instigou a formação do movimento, o dia do ativismo abrangeu outras cidades. 46 anos após, o marco reflete as seguintes conquistas das mulheres em diversos campos. No da saúde, o aborto foi legalizado nos 50 estados norte-americanos. As mulheres garantiram mais espaço nas profissões e na universidade. As vozes pessoais das que se encontravam naquela passeata tornam-se política e hoje, as contestações são levadas mais a sério apesar dos entraves na sua aceitação por parte da sociedade. Ainda não somos pagas igualmente aos homens, ainda somos assediadas e os homens saem impunes. Enfim, os avanços acompanham retrocessos. Vivemos em um cenário em que meninas se empoderam mais cedo, a interseccionalidade é amplamente e devidamente abordada, ao mesmo tempo em que muitos se esquivam propositalmente das causas porque se acomodaram no mundo privilegiado. Basta haver uma crise política, econômica e religiosa  para que nossos direitos sejam questionados, diria Simone de Beauvoir. E seguindo seu conselho, devemos permanecer vigilantes para que essa tirania seja contida  e que a luta permaneça com sua força e autenticidade. Sejamos essas mulheres de agosto de 1970,que independente de orientação política, se uniram a um bem maior, o da sua própria sobrevivência. 






* Todas as imagens desse post foram retiradas do site oficial do documentário. 

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