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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Resenha: L'Étranger, Albert Camus



O Estrangeiro é uma obra do filósofo Albert Camus publicada em 1942, época em que a Segunda Guerra Mundial despertava o caos interior na sociedade. Meursault vive na Argélia, e ao receber um telegrama com a notícia do falecimento de sua mãe, não demonstra emoção. Ele está apenas ciente de que ela morreu e de que precisa ir ao asilo em que ela morava. O sol escaldante no dia do enterro é mais incomodo do que saber que sua mãe havia morrido. Narrado em primeira pessoa, não ficamos íntimos de Meursault, temos apenas um panorama geral dos fatos que acontecem no momento em que fala. É interessante notar que todas as sentenças são escritas em tempos passados, configurando um possível efeito no presente, mas nunca no futuro. Embasado pelo absurdismo, o protagonista vive o presente consciente de sua plenitude, sendo o futuro uma ilusão. Suas ações não precisam de justificativas, uma vez que não têm importância. Se ele não chorou diante do recente infortúnio por ser um homem amargurado não nos é dito. O personagem é alheio à moral da sociedade, porém o contrário não ocorre (isso faz mais sentido na segunda parte do livro).
Pouco tempo depois do enterro, Mersault faz amor com sua namorada, retorna ao trabalho e troca ideias com seus vizinhos. Dois especificamente, são dotados de uma natureza agressiva. Salamano vive aos berros com seu cachorro sarnento, e seu comportamento ignorante em relação a Meursault se desfaz aos poucos, revelando-se um homem sensível após perder seu cão. Já o outro vizinho, Raymond, é um agiota que agride física e psicologicamente sua namorada árabe. Meursault é indiferente à conduta imoral dos homens, chegando a concordar em escrever uma carta para a namorada desse, a fim de atraí-la para sua casa, onde será surrada por Raymond. A intenção dos outros não tinha sentido para o protagonista, dizendo em uma parte do livro que os pedidos românticos da sua namorada Marie e a sua amizade com Raymond não tinham propósitos; o amanhã poderia por fim a qualquer revés que tais relações possam ter causado.
Em um passeio à praia, Meursault, Raymond e Marie visitam a casa de praia de Masson, um amigo desse. Quando Meursault, Masson e Raymond caminham juntos pela praia, avistam dois árabes de longe. Raymond confirma que um deles é o irmão da sua namorada. O confronto é inevitável, e Raymond sai ferido de lá. Entregando sua arma a Meursault, este retorna às rochas onde o árabe se encontrava. Um devaneio causado pelo sol, leva o protagonista a atirar cinco vezes no árabe-- lembrando uma cena emblemática do filme Nascido em 4 de Julho de Oliver Stone. Se o tiro teve  motivação real, não sabemos. Porém, é a versão que é apresentada diante do tribunal. Condenado à pena de morte na guilhotina, Meursault, mais uma vez sente-se mais incomodado com a temperatura dentro da corte do que com a sua condenação. Curiosamente, seu nome vem do francês Meurt-Soleil (Morte-Sol) . Ele é julgado por sua conduta que vai de encontro às normas sociais ao invés do crime de fato. Como o próprio afirma, o fato de não ter chorado no enterro de sua mãe é mais condenável do que o assassinato. O desprezo da corte em relação a Meursault também se reveste de preconceito, já que a Argélia era uma colônia francesa na época, como também não há qualquer preocupação com a família do árabe morto.
O julgamento segue com ênfase na apatia de Meursault. Como um homem guiado pelo absurdo, ele acredita na sua integridade e não nega suas atitudes, mas revela não sentir arrependimento. O livro pode soar maçante devido à insensibilidade do personagem, no entanto, a sua relevância se dá em vários aspectos. O vazio do personagem que é preenchido por uma rotina enfadonha, lançado a uma vida sem sentido e que não consegue jogar de acordo com as regras sociais, era reflexo do homem moderno. O estrangeiro aqui, é aquele que se encontra alheio à alienação ao seu redor. Nós abrimos o livro e não estamos habituados à roupagem do protagonista, que também é um estrangeiro para o leitor. Para o homem da época de lançamento do livro, Meursault era um herói por não estar em conformidade com os regimes ditatoriais vigentes. O personagem se entrega totalmente ao absurdo após a visita de um padre na sua cela, já que este tenta convencê-lo de que é comum o prisioneiro se redimir a Deus antes de sua execução. Enraivecido, Meursault se revolta com o padre, simbolizando a sua incapacidade de se acomodar às convenções. O indivíduo teria fim em si mesmo, e a certeza de que o momento está próximo, é o que ele considera como a sua liberdade. Vale ressaltar que o desejo de morte não faz parte da teoria do Absurdo de Camus, nem parte de Meursault. Ela simboliza a ilusão da liberdade, o rompimento com a nitidez diante da realidade humana.
Enfim, o livro apresenta uma leitura bastante complexa e  provocadora, deixando-nos vulneráveis a diversas interpretações. A versão musical de Robert Smith,vocalista da banda The Cure, intitulada Killing An Arab é banida até hoje após ter adquirido um sentido bem controverso na época da Guerra do Golfo.



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