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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: La Pianiste (2001)



Michael Haneke é consagrado como um dos mais habilidosos cineastas da atualidade. Seus filmes têm o poder de intimidar o espectador ao mesmo tempo que o fascina ao explorar de maneira única o terror psicológico que trespassa seus personagens. Na sua versão austríaca de Violência Gratuita, o diretor vulnerabiliza  emocionalmente uma família tradicional em meio a um sequestro. A degradação causada pela violência se dá aos poucos, mas sempre de forma brutal. Em A Professora de Piano, a violência explícita tem o mesmo efeito mas seu diferencial está na implícita, que nos instiga e torna o longa um contínuo estudo sobre o universo da sua protagonista. Erika Kohut (Isabelle Huppert) é uma professora renomada de piano do conservatório de Viena. Sua extrema dedicação e frigidez transparecem excelência na carreira, porém, por trás de sua compostura há uma mulher conturbada, com hábitos imorais diante da sociedade. Sem uma vida social, Erika passa seu tempo livre em uma cabine assistindo a filmes pornográficos enquanto aprecia lenços sujos de esperma. Em casa, ela convive com sua controladora mãe, que ao tentar sair dos seus moldes autoritários, agridem-se com palavras e puxões de cabelo. Quando sozinha, Erika pratica auto-mutilação genital e nas ruas, comporta-se como uma voyeur. Somos jogados no seu mundo divergente sem sabermos a causa de tais atitudes. O que Haneke almeja com suas obras não é uma explicação óbvia, hollywoodiana para os conflitos psicológicos de seus personagens e sim que tiremos nossas próprias conclusões de como elas nos afetam tanto pessoalmente quanto como ser social. 
Sua fotografia fria e seu ritmo arrastado atraem aqueles que contemplam a densidade com que o cineasta tende a estender seus filmes. Ao conhecer o jovem virtuoso Walter Klemmer (Benoît Magimel) Erika o repudia por não achá-lo à altura do seu seleto grupo de pianistas. Apesar do talento e reconhecimento do mesmo por seus colegas, Erika se sente indiferente a ele por sua falta de ambição. Logo, o jovem revela que sua verdadeira intenção ao continuar frequentando o conservatório era sua paixão pela professora. 


 Erika também sente algo por Walter, no entanto, por nunca demonstrar suas emoções a não ser que esteja sujeita aos seus desejos sádicos, ela encontra no aluno alguém com quem possa realizar suas fantasias secretas. O caminho que ela abre para que Walter adentre seu universo é extremamente formal. Por meio de uma carta, ela escreve uma série de instruções de como o relacionamento dos dois funcionaria. Na cena que dá imagem ao poster oficial do filme, os dois se beijam apaixonadamente, mas o descuido em demonstrar afeição por parte de Erika se deu devido a mais uma de suas realizações perversas momentos antes. Sua aplicada aluna se encontrava em constante estado de nervosismo por conta da pressão da mãe que não admitiria um deslize na sua futura apresentação. A relação opressiva entre mãe e filha reflete a mesma de Erika e sua mãe. O diferencial é que a aluna transparece suas verdadeiras emoções, enquanto Erika aprendeu a reprimi-las para se tornar perfeita. Ao ver que Walter se solidariza com a aflição da aluna e a ajuda a performar de maneira exemplar, a inveja toma conta de Erika que põe cactos de vidro no bolso do casaco da garota, a fim de impossibilitá-la de tocar numa grande apresentação futura.
Walter primeiramente se repudia com o conteúdo absurdo da carta, mas a sempre expressão fechada de Erika demonstra que ela não estava pregando uma peça ao pedir que ele a humilhasse física e psicologicamente para aterrorizar a mãe. 
O jovem despreza a mulher a quem antes venerava e é essa aversão que sujeita Erika a um pedido de submissão para que assim, suas chances de externizar seus desejos se realizem. Walter então, passa a agir de acordo com a carta e ao vermos Erika vomitando após um ato, pode-se supor um estranhamento do corpo de Walter, como se ele não fosse o cara certo para ela, ou melhor, como se nada daquilo fosse saudável para a protagonista. Entretanto, ele continua a atender aos pedidos e a violenta na presença da mãe. Ao vê-la totalmente insatisfeita com as ações propostas, Walter conclui que tudo não passa de loucura e a abandona. Incapaz de satisfazer seus desejos da forma com que esperava, Erika mais do que se deteriorou por conta de sua mente desequilibrada, ela projetou seu ideal de amor, algo que Walter uma vez desejou e agora não mais reconhece. A morte de tal propósito se simboliza quando Erika fere seu peito na altura do coração.


A Professora de Piano é inspirado numa obra literária de mesmo título, sendo sua adaptação cinematográfica merecedora de vários prêmios, principalmente o de melhor atriz no festival de Cannes para Isabelle Huppert, que entregou uma performance nada convencional ante a falta de expressão de Erika. 
Haneke sabe sem dúvida, como manipular uma cena para que ela perdure no nosso imaginário após vermos seus filmes. O olhar cínico de seu antagonista em Violência Gratuita assim como o contorno do sangue na parede em Caché são imagens ainda recorrentes para mim. Em relação ao filme aqui retratado, é difícil permanecer somente com imagens na mente quando há tanto mistério numa personagem tão complexa e tão desconhecida, mesmo com a reprodução do seu cotidiano e de seus anseios mais íntimos.

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