Crítica: Singles (1992)
Não há dúvida que a década de 90 carrega até hoje uma essência altamente juvenil e cool, fazendo muitos desejarem reviver ou terem sido jovem nessa época. Grande parte da minha bagagem cultural deve-se a essa década, e a obra de Cameron Crowe, Singles (Vida de Solteiro em português) acaba de ganhar um lugar especial no meu acervo a começar pela sua localização. Seattle de 1991 era rodeada por bandas underground que vinham não só de lá, mas como também de Olympia e L.A. O sucesso inicial de algumas dessas bandas, como Nirvana, Babes in Toyland e Gumball fica bem registrado no valioso documentário 1991: The Year Punk Broke. A efervescência grunge é pano de fundo para a história de dois casais protagonistas em Singles. Janet (Bridget Fonda) é uma garçonete com aspirações à pintora e encontra-se apaixonada pelo vocalista da banda Citizen Dick, Cliff (Matt Dillon). Linda (Kyra Sedgwick) trabalha como secretária e conhece Steve (Campbell Scott) por acaso em um show da banda Alice in Chains. Steve, Cliff e Janet moram no mesmo bloco do apartamento que contém a placa ''singles'' que ironicamente indica apartamentos para solteiros. Janet sente-se insegura em relação à forma que Cliff a trata. Seu personagem é o estereótipo de cara de banda que transa e desrespeita todas que encontra. Apesar disso, os membros do Pearl Jam fazem uma ponta como integrantes da banda de Cliff. Aliás, Crowe é tão fã da banda que produziu o documentário Twenty de 2011.
O encontro entre Steve e Linda no show do Alice in Chains ocorre durante a performance da música It Ain't Like That do álbum Facelift (1990). Apesar do clima amigável do show, Linda cria uma barreira contra possíveis relacionamentos. Os dois se encontrariam novamente, e aos poucos, Linda permite que Steve a conheça melhor. Para quem é fã de grunge, não só vai se empolgar com a apresentação ao vivo do Alice in Chains, como também vai amar a decoração do muro localizado ao lado do clube em homenagem ao na época, recentemente falecido vocalista da banda Mother Love Bone, Andy Wood.
As milhares referências à cena musical do momento se tornam mais especiais ao nos darmos conta que ela ainda não tinha explodido na época de gravação. Pearl Jam ainda não se chamava Pearl Jam e uma música do Nirvana fazia parte da trilha sonora do filme, tendo sido retirada devido ao enorme sucesso da banda na época da gravação de Singles, o que aumentou consideravelmente o direito autoral sobre ela. Em uma entrevista a um jornalista interpretado por Crowe, Cliff fala sobre sua nova composição, Touch me I'm a Dick, aludindo claramente ao famoso sucesso da banda Mudhoney.
Vida de Solteiro não é um longa com um roteiro complexo, pois não há uma exploração devida de seus protagonistas.Porém, como saber ao certo quem você é e com quem você tem que estar aos 20 e poucos? O seu mérito não só se encontra na pré-captura da era de ouro do rock —na minha opinião— como também em facilitar a nossa identificação com seus personagens. Mesmo que inseridos em outro contexto, quando se fala sobre identidade aos 20 anos, nos encontramos numa luta constante entre desenvolvê-la em nós mesmos através de outros. A tecnologia atualmente nos impede de traçar as conexões que nos levam a tal fim, uma vez que de forma ilusória, acreditamos construí-las unicamente no meio virtual. Um filme como Singles, mostra-nos a importância das interações interpessoais na construção de nossas identidades, mesmo que não duradouras. A musicalidade presente no filme só contribui para essa ideia, uma vez que ela representa transparência e espírito coletivo.
Da direita para a esquerda: Cameron Crowe, Matt Dillon e Chris Cornell.
Atrás: Layne Staley e Jeff Ament.
Não sabemos ao certo se os relacionamentos dos casais duraram. A mensagem que fica é que foi através dessa busca por um sentimento recíproco, que não seria possível sem o conhecimento e aceitação pessoal, que eles foram capazes de pelo menos, esclarecer muito do que fixamos como obstáculos e dúvidas em nossos próprios mundos. Essa é uma conclusão que tive por estar na mesma faixa etária das personagens do filme e por estar no mesmo processo de desconstrução. Claro que ele não explora essa análise profundamente, mas tanto Singles quanto outros filmes dessa década, ainda oferecem perspectivas sobre o que é se tornar adulto, diferentemente de muitos atuais que prezam o superficial ao substancial.
Ademais, outros personagens aparecem com seus respectivos e interessantes dilemas. Crowe não ficou satisfeito com sua obra, contudo, sua relevância tanto cultural sempre será exaltada por aqueles que têm um elo especial com a década.
Outras Referências Musicais no Filme
A música que toca quando Cliff coloca um novo som no carro de Janet é Jinx da banda Tad. Chris Cornell aparece de penetra nessa cena.
Para quem não sabe, o músico Jimi Hendrix nasceu em Seattle e em sua homenagem à música May This Be Love toca numa das cenas românticas entre Linda e Steve.
Além de ser penetra na cena acima, Chris Cornell aparece mais vezes, tanto com sua canção solo Seasons, como numa performance com sua banda Soundgarden da faixa Birth Ritual e uma versão acústica de Spoonman. Não tem como não curtir esse filme!
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