Minha foto
Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Medea (1988)



Na peça grega Antígona de Sófocles, a personagem principal Antígona, desafia as leis tiranas do governo de Tebas ao enterrar seu irmão Polinices, que havia lutado contra a pátria segundo o rei Creonte. Sua ousadia e determinação também são características de outra protagonista de tragédias gregas. Medéia de Eurípedes conta a perturbadora história da mulher que traída, é tida como indigente e reúne forças para se vingar do marido. Ambas tragédias espelham a opressão social feminina da época. Destacam-se assim, por não resistirem a esse lugar, falando e agindo por si mesmas. O diretor dinamarquês Lars Von Trier é conhecido por retratar mulheres oprimidas, sempre com o foco na construção de uma intimidade entre espectador e a sujeição que sofrem a fim de gerar um desconforto em quem assiste a suas obras. Não é válido afirmar que essa aproximação seja perfeitamente concisa uma vez que o male gaze é uma visão limitada do mundo feminino. O mesmo cabe a Eurípedes visto que sua heroína mesmo destemida, carrega estereótipos que fomentam o aspecto vil da mulher na literatura. É na década anterior ao movimento cinematográfico que o despontaria, Dogma 95, que o cineasta adapta a tragédia de Eurípedes. A fotografia rústica está em consonância com o ambiente. Os close-ups acentuam a aproximação da protagonista com o público. Já no início do filme nos é revelada a sua peculiaridade. Apesar de amargurada por ter sido trocada por uma mulher mais jovem e filha de um rei, Medéia reflete sua dor na inferioridade imposta ao seu gênero, questiona o porquê de não poder atuar na sociedade de Corinto da mesma forma que seu marido Jason. O fardo que carrega por ser abandonada numa terra em que é estrangeira implica futuros empecilhos que a faz repensar o seu lugar naquele ambiente. Internaliza-se que a  mulher sem o homem perde a sua essência, desconhece-se e é aí que Medéia tenta se redescobrir a partir da aniquilação daquele que a desumanizou. 


O filme é um tanto silencioso. Tal aspecto transmite a algidez que atinge o estado de espírito da protagonista. Vingança é um tema fundamental do gênero tragédia e aqui ela mostra-se pungente, muito mais do que a narrada na versão de Eurípedes. Medéia não aceita ser desterrada e depreciada por ordens masculinas e a fim de resistir a tamanha opressão, decide enforcar os dois filhos que seriam herdeiros de seu marido. A misticidade e a perversidade são descritas por Eurípedes como virtudes femininas. O problema recai na visão cultural que se se criou da mulher como um ser naturalmente vulgar. Por mais que consigamos retirar uma nuance pré-feminista de Medéia ao não se subjugar à dominação masculina, é preciso ressaltar que por muito tempo, as histórias sobre mulheres foram escritas sob descrição masculina, o Ela em relação ao Ele e não o oposto. Sendo assim, a ambiguidade da obra serve de reflexão sobre os papéis que a mulher exerce enquanto protagonista ao longo da literatura. 

"De todas as coisas que têm vida e razão, somos nós, as mulheres, as mais desventuradas. Primeiro, temos que comprar, com alto dote, um marido, que assim se torna senhor, e mais, tirano de nosso corpo. Mas, ainda pior, temos que adivinhar como nos comportamos (pois não nos ensinaram nada em nossa casa) com o companheiro que nos coube no leito. Se conseguimos cumprir nossos deveres com sensibilidade e tato, o esposo sente o gozo e não o jugo, podemos ter uma vida digna se inveja. Se não, é melhor morrer. E ficamos esperando que o primeiro mal não traga mal pior. Pois, se erramos na escolha do marido, não podemos jamais repudiá-lo. A separação conjugal é uma desonra para as mulheres. O homem, quando aborrece do que vive em casa, se distancia e livra a alma desse peso e tédio na companhia de algum amigo ou companheiro de sua mesma idade. Nós, mulheres, temos que manter a vida presa a um único ser o tempo todo. Argumentam, porém, que vivemos seguras em nosso lar, enquanto eles enfrentam as guerras. Lamentável argumento: é preferível ir três vezes à guerra do que parir uma só vez." (EURÍPEDES, 2004, p. 22-23)

Comentários

Popular no Blog...