Minha foto
Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Bande de filles (2014)


Em 2014, a jornalista Elise Vincent publicou um artigo na revista M Magazine falando sobre a minoria negra que ascende economicamente na França. Médicos, advogados e outras profissões que uma pequena parcela dos, segundo estimativas, quase 5 milhões de negros que habitam o país. Eles são geralmente jovens, descendentes de quem trabalhou duro para conquistar um alto patamar, como os filhos de diplomatas. No entanto, é difícil calcular e visualizar dados sobre etnia e raça na França, uma vez que a legislação impede tal medida e devido também a um crescente sentimento de xenofobia. A cineasta Céline Sciamma (diretora de Tomboy) é famosa por retratar questões de gênero e sexualidade em seus filmes. Na sua obra de 2014, Bande de filles ou traduzida para o português como Garotas, Céline nos convida a olhar mais a de perto a realidade da juventude negra na França. A visão de uma mulher sobre a realidade de outras mulheres nos oferece um quadro mais coerente sobre como é que é pertencer a este mundo. Marieme (Karidja Touré) tem 16 anos e habita o subúrbio de Paris. Ela divide o lar com suas irmãs mais novas, sua mãe que fica pouco tempo em casa devido ao trabalho e com seu irmão mais velho, cujo relacionamento se mantém abusivo. Além do lar problemático, Marieme enfrenta dificuldades na escola. Seu baixo desempenho escolar a deixa sem perspectivas de futuro. Vale ressaltar o quadro que nos é apresentado de uma outra realidade de Paris, que crescemos vislumbrados com a ideia romantizada de sua sociedade burguesa. A obra de Sciamma rompe com essa expectativa na medida em que conhecemos outras histórias de meninas que se frustram por não pertencerem ao padrão idealizado de garotas brancas e ricas. 
Por acaso, Marieme acaba se juntando a uma gangue de garotas que assim como ela, lutam por um espaço de própria significação. A diferença é que a personagem não sabe que significação é essa que ela busca, e as outras garotas acreditam que ela recaia em confrontar o inimigo, o branco, se adaptando ao seu modo de vida e ao mesmo tempo valendo-se de uma imagem de força e sobrevivência ao assaltarem mulheres brancas e baterem naquelas que as diminuem. 
Lady (Assa Sylla) é a líder da gangue e em uma de suas brigas de rua, acaba sendo humilhada na frente de outros que a assistia. Marieme que antes temia agir como as outras meninas, decide se vingar por sua amiga. Não sabemos ao certo o que Marieme pensa sobre o curso de suas ações. Seu olhar assustado revela uma garota tímida lutando dentro de si mesma por uma identidade que a reconheça como relevante no meio em que anda. O lado da violência tanto verbal quanto física evidenciado no longa nos leva a um questionamento sobre o estereótipo da brutalidade que marca os negros culturalmente. Esse aspecto reforçado no filme realmente corresponde com a realidade daquela geração? Não sabemos responder a não ser que presenciemos tal contexto. O que podemos pontuar como exemplar em Garotas é a amizade feminina que transparece com naturalidade uma relação de solidariedade, contrapondo a construção machista, aliás fomentada pela mídia, de que a centralidade de uma mulher é o homem e por isso criou-se a concepção de rivalidade entre meninas. É muito importante ter esse laço fraterno representado por negras, que na maioria das vezes são retratadas pelo male gaze, com sua sexualização e a dita natureza violenta.








 Sendo assim, Sciamma acerta em ampliar espaços de identificação e há uma cena, a melhor do filme na minha opinião, em que Mariemme demonstra plena consciência da ilusão que ela e as outras companheiras vivem. A ilusão de que o que elas estão lutando por, não as levarão a lugar algum. Meninas como Lady e Marieme vivem marginalizadas por conta das condições sociais historicamente construídas a partir do racismo. Quando o escritor  negro e norte-americano James Baldwin,renomado por interseccionar racismo e homossexualidade, se mudou para a França no século XX, afirmou que Paris não foi uma questão de escolha, a questão era deixar a América. A Paris que Baldwin conheceu simplesmente não dava importância a pessoas de cor como dá hoje. A direita política cresce a passos largos, como também o sentimento xenofóbico de preservar a pátria devido ao grande fluxo de imigração de outras etnias ao país. Sendo assim, vangloriar uma pequena parcela de negros que ascendem social e economicamente na França, omite outras, milhares de histórias daqueles que para se tornarem alguém, significa consumir o padrão, ser o padrão e assim, enganar-se na sua luta por um espaço digno. 

Comentários

Popular no Blog...