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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Le Redoutable (2017)



É difícil encontrar um cinéfilo que não admita sua admiração pelo diretor franco-suísso Jean-Luc Godard. Ao lado de outros irreverentes cineastas, como Claude Chabrol e Agnès Varda, Godard revolucionou o cinema francês na década de 60 com obras que vão de encontro ao cinema tradicional, o hollywoodiano.  Seu cinema do auge da Nouvelle Vague   se comunicava com anseios de uma geração que tinha na palavra experimental seu mantra. O rock se desnuda em drogas e rebeldia. As musas do cinema usavam sua sensualidade em provocação à moral conservadora. Godard arriscava em adicionar dimensões ao que já se fazia no cinema. Quando protagonizou sua ex-esposa, a dinamarquesa Anna Karina, em Bande à part (1964) o diretor trazia o gênero  gângster consagrado no cinema norte-americano. Porém, seu experimento com som e narração dão novos ares ao que poderia ser mais um filme criminal. Durante os primeiros anos da década, esse foi o cinema de Godard, ou Godart, para os mais apaixonados.Seu tom político, inclinado para o marxismo, também se transpunha nas telas como em Le Petit Soldat (1961) quando seu protagonista se vê obrigado a lutar a favor da morte de um pacifista na Guerra da Argélia, porém se humaniza e prefere conexões com o amor e a arte. Dessa forma, foi impossível não encontrar fascínio por suas facetas cinematográficas.
 No entanto, com a chegada do fim da década de 60, a revolução entre os jovens da contracultura torna-se mais politizada. A decepção com o American Way of Life toma forma de protesto de jovens devido à morte de grandes líderes a favor de minorias nos Estados Unidos, à contrariedade de um governo democrata que apoiava guerras em países menos favorecidos, levou essa geração a simpatizar com regimes comunistas adotados em alguns lugares como Cuba e China. O Maoismo chinês, corrente ligada a Mao Tsé-Tung, pregava  que a luta armada era a melhor forma de tomar o poder. Sabemos que essa ideologia eventualmente se contradiz, no entanto, na França, enquanto clamava-se por melhorias de classe, pela saída de um líder autoritário, Godard se entrega com devoção total a seus ideais políticos e os mesclam mais explicitamente com o seu cinema. Durante essa fase, ele rompe seu casamento com Anna Karina e se apaixona pela estudante de filosofia e também admiradora do comunismo chinês, a recente falecida atriz Anne Wiazemsky. 
Seu relacionamento com a atriz em meio a sua crise artística, é retratado na comédia O Formidável, por  Michel Hazanavicius .Muitos questionam o porquê de focar em um relacionamento do cineasta franco-suíço ao invés de seu grandioso cinema, o próprio Godard achou a ideia do filme idiota. Pois bem, mais do que delinear o romance entre Jean e Anne, Hazanavicius nos apresenta a vulnerabilidade e a confusão de uma mente artística brilhante que  conhecemos através de seu tom assertivo e ácido sobre suas concepções pessoais e profissionais.

Louis Garrel como Godard e Stacy Martin como Anne Wiazemsky.

Godard conhece Anne durante as filmagens de sua obra de 1968, La Chinoise. O filme traz um grupo de jovens burgueses que contradiz os ideais comunistas ao transformá-los em produtos de consumo. Embora seu cinema tentava, de forma mais radical que anteriormente, aproximar-se dos anseios da juventude, o filme tem recepção contrária e leva Godard a um profundo estado de angústia, culminando na rejeição das obras que o consagraram. Os percalços em revolucionar o seu cinema por meio de uma revolução política é simbolizado de forma irônica em O Formidável quando seus óculos constantemente quebram em meio a manifestações.
A vida de casal de Anne e Godard consiste em se politizarem, comparecendo a reuniões estudantis e protestos do início de 1968, que culminaram na sua ridicularização pública e no fim de seu casamento. Em uma cena, o cineasta compara os judeus aos nazistas atuais, vice-versa e articula a mesma ideia à Palestina. Por várias vezes, retira-se de uma reunião estudantil em meio a vaias. Sua relação com outros diretores também é rompida, na descrença em suas orientações políticas no cinema. Anne observa o isolamento de Godard influenciar diretamente o seu relacionamento. Acreditando estar sozinho em suas crenças, Anne também se torna o outro, o que desfruta das construções capitalistas enquanto os seus iguais apanham nas ruas em meio a protestos. O Jean-Luc Godard que assistimos é o que Anne se tornou íntima, e por meio dela conhecemos algumas de suas facetas, e esse retrato revela um homem em uma crise identitária enquanto a de Anne estava ainda por se consolidar, uma vez que quando conheceu Godard, tinha 19 anos e ele 37.
Wiazmsky suportou até onde pode os surtos de seu companheiro que a impediam de ir adiante nas suas realizações. Godard nunca conseguiu se desvincular sua imagem de transgressor da forma tradicional de se fazer cinema, '' o cinema é uma forma que pensa'' como já afirmou antes. Suas tentativas de fazer seu cinema politicamente tem seus méritos ao longo de sua carreira. Sua sede por inovação das formas é o que o torna um cineasta ainda relevante; sua convicção de que o cinema está morto, perdura por muito tempo. Concordar ou não com ele, fica a critério de cada um. A Anne Wiazemsky de Stacy Martin lembra muito mais a Chantal Goya filmada por Godard em Masculin Féminin (1966) do que a própria Anne. Louis Garrel surpreende no papel, pois geralmente o assistimos nos papéis de galã.
Ademais, a obra de Michel Hazanavicius retoma referências utilizadas pelo seu protagonista em suas obras da década de 60, como letreiros que contradizem a ideia transmitida na cena a seguir. O tom preto e branco da cena em que Anne e Godard fazem amor remete aos filmes românticos dele como A Bout de Souffle (1960). O filme é excelente para aqueles que sentem forte nostalgia pelo seu cinema, pela sua irreverência e também é feito paradoxalmente para desvencilhar a imagem romantizada do artista para além de suas obras. 







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