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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: 3 Women (1977)

Sissy Spacek como Mildred "Pinky" Rose
 e  
Shelley Duvall  como Mildred "Millie" Lammoreaux em Três Mulheres (1977)


O  norte-americano Robert Altman, consagrou-se como um dos mais controversos e singulares cineastas do seu tempo. Seus trabalhos fugiam a convenções, à dinâmica narrativa clássica de Hollywood. Em 1977, Altman lançaria aquela que seria uma das suas melhores obras. Três Mulheres surgiu a partir de um sonho que ele teve com as protagonistas do filme, Sissy Spacek (Carrie, a Estranha) e Shelley Duvall (O Iluminado) em um lugar desértico da Califórnia. Para construir o seu filme, o diretor utilizou referências também oníricas e contou com a improvisação de suas protagonistas para desenvolverem suas personagens. O resultado desse trabalho distinto no cinema hollywoodiano do século XX é um amplo leque de análises. Para entender melhor porque Três Mulheres  é uma obra valiosa, o espectador deve se desprender da linguagem objetiva cinematográfica. Por apresentar uma lógica onírica, somos mergulhados no mundo dos sonhos, com simbolismos e pouco espaço para uma racionalização imediata. É uma experiência única de como a subjetividade permeia o mundo de três mulheres opostas, que se fundem, se estranham e se unem, formando uma só. 
A primeira mulher a que somos apresentados é a imatura Mildred, que adota Pinky Rose como um pseudônimo compatível com a sua personalidade ingênua. Ao chegar na cidade desértica, ela procura uma vaga de emprego em um spa para idosos. Sua guia é a profissional Millie Lammoreaux, que curiosamente tem o mesmo nome que a jovem iniciante, porém o modifica a fim de estabelecer um  status quo, construído ilusoriamente com base numa sociedade consumista e voraz, que centraliza o homem como o espelho do poder e sucesso. Sendo assim, Millie fala incessantemente sobre como conquistou homens poderosos, e ninguém a ouve, a sua inadequação pode ser percebida por conta de sua beleza não padrão e subentendida quando sua longa saia constantemente fica presa na porta do carro sem que ninguém a note. Porém, Pinky Rose é um tanto inexperiente e assim, se deslumbra com tudo sobre a vida de Millie. As colegas de trabalho logo se tornam colegas de quarto, e é a partir desse convívio que presenciaremos um trabalho enigmático com personalidades efêmeras, que se estruturam e se desestruturam em simbolismos. 
 As duas mulheres se mudam para um apartamento, cujo proprietário, Edgar Hart (Robert Fortier) é um ex-cowboy e típico estereótipo do que se convenciona como homem viril, e a sua esposa grávida, Willie (Janice Rule) é uma artista local. Willie passa o dia trabalhando numa pintura mitológica de dois seres femininos lutando com um terceiro no piso da piscina do apartamento. Esta imagem aparece constantemente ao longo do filme, como se fosse uma representação repetitiva de algo dentro de um sonho. A relação entre Pinky e Millie é como de irmãs. Pinky se comporta como caçula ao ler o diário de Millie quando está ausente e ao pedir roupas emprestadas. Millie se mostra incomodada com o comportamento infantil de Rose e acredita que seus planos não dão certo por conta de sua presença. Quando as duas saem para o bar de Edgar e Willie Hart, estilo western, elas conversam sobre a misteriosa Willie. Seu olhar pávido e seu silêncio nos instigam a entender a sua relevância na vida das outras mulheres. Quando seus olhares se encontram, Willie parece conhecer muito sobre Pinky e Millie do que elas sobre aquela. Edgar demonstra ser então, o que vai unir as personagens. Ele tem um caso extraconjugal com Millie durante a noite, enquanto se encanta por Rose. No mesmo bar, as três praticam tiro ao alvo, mas apenas Millie e Pinky são assistidas por Edgar, traduzindo a maturidade e independência  de Willie em relação ao seu marido. 



Pinky Rose

Millie Lammoreaux

Willie Hart


Millie chega ao seu limite com Rose e  a expulsa do seu apartamento. A jovem então, joga-se da varanda para a piscina e o filme ganha uma reviravolta. Ao se recuperar do coma, Pinky assume outra personalidade, similar à de Millie, adotando seu nome original, Mildred, porém, mais sexualizada e notada por todos ao seu redor. Seu novo estilo de vida é o que Millie idealizava. Podemos interpretar esse plot twist  como o amadurecimento da personagem, que se funde à aquela que representa o espelho a se seguir. Assim como acontece em uma família, quando uma irmã adota traços da mais velha. Porém, as atitudes de Pinky, agora Mildred, são ainda inconscientes, ao não reconhecer a sua vida anterior. Tal aspecto revela uma característica dos sonhos, quando assumimos particularidades independentes de um passado. Outra analogia que foi trabalhada de forma exemplar é a de que Mildred representa o id, por exibir tendências instintivas (toma-se como exemplo quando ela se permite tornar objeto sexual) , Millie é o super-ego, pois suas condutas obedecem valores morais, reprimindo o que Mildred se tornou, ou seja a realização do seu id. E por fim, Willie é o ego, pois ela intermedeia os impulsos do Id,  é mais realística e madura, é como se Willie assistisse em Mildred a sua juventude. É também por esse motivo que não vemos Willie interagir fisicamente com as demais personagens até o final do filme. Millie e Pinky seriam as representações da imaturidade, do descontrole juvenil e o momento em que as três se unem é quando Willie dá luz a seu filho, simbolizando o início de uma nova fase nas vidas de todas elas, que acabam morando juntas e desempenhando papéis de mãe e filhas. O ego de Willie foi capaz de assumir o controle total de si mesma, e isso fica mais evidente quando sabemos que Edgar está morto. As amarras que ele atribuiu na vida de sua esposa são reflexo da sociedade patriarcal que submete a mulher a não pensar por si mesma, e a ser um mero objeto de controle masculino, encolhendo suas possibilidades de se moldar fora das amarras masculinas. Willie externiza as mulheres que viveu a fim de dar o tiro certeiro para uma vida em que possa ser dona de si mesma, e sem que seu passado a perturbe nesse novo caminho.

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