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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: A Star Is Born (2018)




Nasce Uma Estrela é um remake realizado e estrelado por Bradley Cooper. Em cada uma das  três versões anteriores, a história se desenrola a partir do envolvimento amoroso entre dois artistas e o preço da fama no curso de suas vidas. Também é válido dizer que cada filme se ambienta de acordo com o background artístico que dialogava com a sua época. Em 1954, por exemplo, na versão protagonizada por Judy Garland e James Mason, os musicais eram o grande sucesso do momento. Já na de duas décadas depois, estreando Barbra Streisand e Kris Kristofferson, a atmosfera rock'n'roll dominava com a explosão da contracultura, festivais como Woodstock e as grandes bandas da época como Rolling Stones.Em 2018, a música country e o pop dialogam com o contexto norte-americano. Porém, esta é só uma observação inicial que se pode traçar sobre os filmes. Há grandes questões em torno de outros tipos de mudanças e a necessidade de questionar se elas estão de acordo com nossas demandas atuais.

A primeira que me veio à mente foi a questão da mulher. No acordar do #metoo e de outros movimentos que ressignificam o lugar da mulher, atentamos muito mais do que antes, a como ela tem sido representada em diferentes mídias. Quando  a versão de Barbra Streisand estreou em 1976, a segunda onda feminista florescia em passos largos e assim, as personagens femininas no cinema foram aos poucos, respondendo às novas identidades que podiam assumir. Barbra é um exemplo disso e sua protagonista era tão assertiva que isso gerou uma antipatia entre colegas de trabalho. O remake atual, conta com a artista consagrada Lady Gaga no papel de protagonista. O roteiro de Nasce Uma Estrela se inicia com o estrelato masculino. Bradley Cooper interpreta Jackson Maine, um artista country que brilha nos palcos, mas tem sua vida pessoal ofuscada por vícios e um passado familiar amargo. Seu ar alcoolizado denuncia também uma profunda tristeza que ao longo do filme será bem explorada. Já Lady Gaga interpreta Ally, a garçonete sem sobrenome, que compõe, embora não acredite em seu potencial. Apesar disso, ela brilha ao performar uma versão de La vie en rose inspirada por Édith Piaf, em um clube noturno LGBT. O personagem de Cooper estava de passagem pela cidade por conta de um show e ao parar no clube, se hipnotiza pela forte presença de Ally. O melhor amigo da protagonista é fã de Jackson, e ao reconhecê-lo,  apresenta seu ídolo à sua amiga. A química é logo imediata, e a famosa cena da sobrancelha falsa de outros filmes é registrada nessa versão também. Ao saírem juntos na mesma noite, Ally demonstra estar confortável o suficiente para compartilhar uma das suas composições. Jackson se propõe a mostrar ao mundo o grande talento por trás da tímida garçonete. Podemos delinear a partir do contato inicial entre os dois que o show business sempre foi um jogo mais fácil para os homens. A personagem de Lady Gaga inicia o filme terminando um noivado dizendo "homem é foda!" e a mesma mensagem servirá de pano de fundo quando Ally tenta construir sua autonomia pessoal e profissional. 

Seu pai é motorista particular de celebridades e em uma das conversas com seus colegas de trabalho na casa em que mora com a protagonista, afirma que algumas pessoas, mesmo talentosas, ficarão só na plateia assistindo alguém com o mesmo talento, mas que foi além. A insegurança e raiva vulnerabilizam a personagem, tornando-a assim, de fácil identificação com o público feminino. Ally se submetia a um emprego que a frustrava, especialmente por causa do tratamento de seu patrão, e seus sonhos foram adormecidos porque para se chegar lá, a mulher tem de enfrentar vários obstáculos, sendo sua aparência o principal critério na avaliação de suas capacidades. Eu me senti íntima de Ally, uma vez que sua narrativa é a de muitas mulheres adultas que desacreditam na consolidação de sua autonomia. Quando Ally solta a sua voz aos poucos, ao ser convidada para cantar com Jackson a música que havia apresentado a ele na noite anterior, ela passa a sensação de que algo inacreditável estava acontecendo diante de si mesma. É impossível não comentar a fidelidade sentimental que Lady Gaga conferiu à sua personagem. Tudo aconteceu muito rápido e dali em diante, a forma que a sociedade vai aos poucos podando a liberdade feminina torna-se mais evidente. 

Ally encontra seu espaço nos palcos somente por causa de um homem. Para manter a posição conquistada, a personagem terá que se adaptar conforme os padrões sociais femininos 


Nasce Uma Estrela de 2018 marca a estreia de Bradley Cooper como diretor.  Na demanda atual em relação à representatividade feminina no cinema,pode-se dizer que a sua Ally tinha tudo para ser uma personagem multidimensional. No entanto, o foco do filme é em Jackson, e como em outros filmes, a protagonista vai limitando seus lugares de alcance para cuidar de seu desequilibrado parceiro. Apesar da imagem de caubói, a vulnerabilidade emocional de Jackson rompe com o tabu da virilidade masculina. Há uma profundidade na exploração do seu personagem que não ocorre com Ally. Quando um produtor aborda a artista após um dos shows, perguntando se ela estava disposta a ir além e apostar em uma carreira solo, a personagem hesita e não sabe o que responder. Sua falta de assertividade deriva do medo internalizado que nos impede de sermos mais ambiciosas do que os homens em nossa volta. Mulheres artistas ambiciosas demais como Courtney Love e até Barbra Streisand foram demonizadas e odiadas pelo meio artístico e público. Recentemente, encontrei um comentário em um fórum online de alguém que alegou odiar Barbra pelo simples fato dela ser politizada.

Ao aceitar seguir como artista solo, a protagonista recebe apoio de seu marido. Essa é outra questão que merece ser destacada no filme. O companheirismo se contrapõe ao número crescente de relacionamentos abusivos e de relações líquidas. Entretanto, Cooper decidiu manter-se fiel à premissa nos outros longas em relação ao sentido original do seu título. Ally torna-se rapidamente, uma artista pop de sucesso, seguindo as ordens de seu produtor no tocante à mudança de sua aparência e à superficialidade de suas letras, que se distanciam de suas composições próprias. Enquanto Ally atraí mais e mais fãs e reconhecimento artístico, Jackson se afunda em sua depressão. A ideia de que a ascensão de uma mulher simboliza a destruição do homem pode ser interpretada no filme, porém, a mesma pode ser relativizada ao fato de que a profundidade na construção do personagem de Jackson nos leva a acreditar que sua doença se agravaria com ou sem Ally. Sua companheira tanto foi quem o manteve feliz por momentos, embora suas falhas com ela serviram como gatilho emocional.
 

 
Nasce Uma Estrela lida de forma sensível com a depressão e é sem dúvida, a versão mais humanizada entre os filmes



A última questão que eu gostaria de destacar é sobre o suicídio. Como citado anteriormente, Jackson sofria uma depressão profunda por causa de seus problemas familiares. Seu núcleo familiar é masculino, sendo o relacionamento com seu pai e irmão conturbado. O primeiro faleceu quando ele ainda era novo e o influenciou no alcoolismo. Seu irmão é centrado e é quem administra a sua carreira, mas ele aparenta já ter suportado mais do que o suficiente os excessos do irmão. Em Ally, Jackson busca a saída para seus conflitos, no entanto, quando o empresário de Ally o acusa de estragar a sua carreira, o fardo fica pesado demais para ele lidar. Jackson já tinha tentado suicídio quando adolescente e sem dúvida, sair daquela sessão do cinema em que fui sem mergulhar em lágrimas era quase impossível. O que aconteceu com Jackson também ocorreu com Chris Cornell, ex-líder da banda Soundgarden. Chris sempre foi um dos meus maiores ídolos, não somente por sua música, mas também pelo seu grande coração. Desconhecíamos a sua dor assim como a de Jackson, e ao lembrar que ambos partiram da mesma forma me deixou profundamente emocionada mesmo  horas após o fim do filme. Espero que as análises sobre Nasce Uma Estrela mencionem esta questão ainda tão repleta de tabus e ignorância para que mais pessoas se informem e se sensibilizem com a dor do próximo. A versão atual de um clássico traz questões sociais ainda antigas e mal resolvidas, mas que não impedem um amplo espetáculo de emoções humanizadas que se torna a principal atração para o espectador.






Comentários

  1. Estava resistente em assistir ao filme (tenho uma certa antipatia de Bradley Cooper), mas essa resenha, citando a depressão bem representada no filme, me fez querer assistir. Ótima matéria, mto bem escrita.

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    1. Muito obrigada pelo feedback, espero que curta o filme, abraços!

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  2. Que matéria maravilhosa!!!! Parabéns! Belas palavras

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