Crítica: Nico,1988 (2017)
Quando a alemã Christa Päffgen presenciou na sua infância os horrores advindos da Segunda Guerra Mundial, seu imaginário foi marcado pela morbidez e niilismo. Isso a perseguiria por longos anos e traçaria a sua definitiva identidade. A Christa que existe no imaginário de muitos que a conheceram pelo nome artístico de Nico, é apenas uma parte dela que não perdurou, mas que precisou existir para que a própria revelasse seus mais íntimos e obscuros anseios. É o lado mais cru e distante da idealização da era Velvet Underground e Chelsea Girl que a diretora italiana Susanna Nicchiarelli retrata no filme biográfico Nico,1988 (2017). A obra se passa nos dois últimos anos de vida da artista, entre 1986-1988, período em que Christa, que na época rejeitava o nome que a tornou conhecida apesar de assiná-lo em seus trabalhos, estava em turnê,lançou seu último disco (Camera Obscura-1985) e tentou pela última vez, trazer para perto de si seu único herdeiro, Ari, filho que teve com o ator francês Alain Delon e o mesmo jamais reconheceu a paternidade. Representar Nico no seu último suspiro como artista não só revela a sua singularidade artística — singularidade que também é presente em tantas artistas de ontem e hoje e que ainda não é reconhecida— como também nos faz refletir sobre qual o legado deixado por uma mulher como Christa Päffgen.
O primeiro contato que temos com Christa duas décadas após sua parceria com Andy Warhol e The Velvet Underground é de uma mulher que tenta fugir de seu passado e se mostra insatisfeita com o presente. A mesma sensação é obtida ao lermos o mais atualizado capítulo da vida de outra alemã, Christiane F. Na biografia Eu, Christiane F., a Vida Apesar de Tudo, Christiane que teve sua imagem jovem idealizada, traz uma série de reflexões sobre os anos posteriores da sua fama de forma cética. Tanto ela quanto Christa eram usuárias de heroína (não sei afirmar se Christiane, que está viva, ainda usa) e a droga deixaria profundas marcas em suas vidas. Anos antes de se juntar à turma de Andy Warhol, Christa modelou, fez pontas em filmes como La Dolce Vita, de Federico Fellini, e já apostava na carreira solo como cantora. Sua presença entre os caras do Velvet, era incomodo para Lou Reed. Já outro rockstar da época, Jim Morrison (The Doors) primeiramente a assustaria ao se exibir nu, mas segundo as palavras da artista, reproduzidas no filme, ele a encorajou a escrever suas próprias músicas. A alemã então, ao ser rejeitada por seus anseios artísticos em seu primeiro álbum (Chelsea Girl), decide fomentar a sua autonomia e lança em 1969, o fúnebre álbum, The Marble Index. Dessa forma, sua objeção em ser reconhecida como Nico, a ícone, deve-se àqueles que um dia não levaram a sério o seu talento, que seria explorado, mas não reconhecido.
A atriz Trine Dyrholm moldou a sua própria "Christa" ao lado da diretora Nicchiarelli.
Fonte: Rolling Stone
Christa Päffgen ou Nico, durante a década de 80. Fonte: Vulture
O primeiro contato que temos com Christa duas décadas após sua parceria com Andy Warhol e The Velvet Underground é de uma mulher que tenta fugir de seu passado e se mostra insatisfeita com o presente. A mesma sensação é obtida ao lermos o mais atualizado capítulo da vida de outra alemã, Christiane F. Na biografia Eu, Christiane F., a Vida Apesar de Tudo, Christiane que teve sua imagem jovem idealizada, traz uma série de reflexões sobre os anos posteriores da sua fama de forma cética. Tanto ela quanto Christa eram usuárias de heroína (não sei afirmar se Christiane, que está viva, ainda usa) e a droga deixaria profundas marcas em suas vidas. Anos antes de se juntar à turma de Andy Warhol, Christa modelou, fez pontas em filmes como La Dolce Vita, de Federico Fellini, e já apostava na carreira solo como cantora. Sua presença entre os caras do Velvet, era incomodo para Lou Reed. Já outro rockstar da época, Jim Morrison (The Doors) primeiramente a assustaria ao se exibir nu, mas segundo as palavras da artista, reproduzidas no filme, ele a encorajou a escrever suas próprias músicas. A alemã então, ao ser rejeitada por seus anseios artísticos em seu primeiro álbum (Chelsea Girl), decide fomentar a sua autonomia e lança em 1969, o fúnebre álbum, The Marble Index. Dessa forma, sua objeção em ser reconhecida como Nico, a ícone, deve-se àqueles que um dia não levaram a sério o seu talento, que seria explorado, mas não reconhecido.
É importante ressaltar que para compreender esta biografia cinematográfica é preciso estar ciente de que mulheres como Nico, que fogem a ideais femininos, dificilmente chegam lá. Nico rejeitava a ideia de envelhecer e colocar tudo no seu devido lugar para manter uma aparência jovem e desejável. Seus cabelos desgrenhados e seu estilo de vida junkie revelam o ar transgressor ao qual Trine foi fiel. A personagem também transmite a arrogância e a atitude foda-se de Nico, que se refere aos músicos inexperientes de sua banda como ralé e que não se incomoda em pedir heroína em Praga, lugar que estava sob regime ditatorial na década de 80.
Além da fidelidade à Nico beirando aos 50 anos, outro ponto alto do filme é a perfeita ambientação da época. A trilha post-punk e a atmosfera sombria casam ouça o ótimo trabalho do gênero feito por Nico em 1981, Drama of Exile, além do contexto político da Europa em que a música abria portas para experimentação e inovação enquanto a Guerra Fria já não fazia mais sentido. O longa ainda traz a complexa relação que Nico mantinha com seu filho suicida Ari. Ambos sabiam que o vício os aprisionavam numa bolha niilista e que a afeição que tinham um pelo outro era o que oferecia algum sentido a profunda insatisfação com a vida que percorria o seu íntimo.
A transgressão na atitude e o temperamento explosivo de
Nico acompanham a cantora pelos caminhos
em que sua banda percorre
pela Europa.
Além da fidelidade à Nico beirando aos 50 anos, outro ponto alto do filme é a perfeita ambientação da época. A trilha post-punk e a atmosfera sombria casam ouça o ótimo trabalho do gênero feito por Nico em 1981, Drama of Exile, além do contexto político da Europa em que a música abria portas para experimentação e inovação enquanto a Guerra Fria já não fazia mais sentido. O longa ainda traz a complexa relação que Nico mantinha com seu filho suicida Ari. Ambos sabiam que o vício os aprisionavam numa bolha niilista e que a afeição que tinham um pelo outro era o que oferecia algum sentido a profunda insatisfação com a vida que percorria o seu íntimo.
Existem algumas nuances complexas de Nico deixadas de fora do filme, o que impediu a desmistificação completa do mito. Segundo fontes confiáveis como o The Guardian, a artista expressou abertamente explosões racistas, anti-semitas e misóginas que quase não são mencionadas por críticos e fãs. Eu só soube disso recentemente e peço desculpas por não mencionar nada sobre isso nesta crítica sobre o documentário Nico-Icon de 1995. Não estou aqui para dizer se você deve 'cancelá-la' ou não; mas a “romantização” de artistas problemáticos não pode mais ser normalizada. Há muito tempo lutamos pela igualdade e não chegaremos nem perto disso se continuarmos a ser imparciais no que diz respeito ao preconceito. Você pode assistir Nico 1988 e aplaudir por ser um trabalho sobre uma mulher dirigido por outra mulher; por mostrar uma personagem feminina bem desenvolvida; pela admiração pelas obras de Nico, etc. No entanto, não havia razão para varrer para baixo do tapete as nuances problemáticas da mulher por trás da artista.
Susanna Nicchiarelli demonstra com seu filme que a insatisfação da mulher que outrora foi musa de Andy Warhol nunca seria resolvida porque mulheres como Nico nunca terão suas insatisfações e anseios compreendidos. Talvez o legado que ela tenha deixado seja a sua enigmática e poderosa força musical, ou sua transgressão no estilo de vida e atitude. Independentemente do que cada espectador concluir, Nico permanece de forma distinta no imaginário de muitos. Para alguns, a estranha, a incompreensível. Já no imaginário de outros, há esperança de que a autodestruição de Christa Päffgen seja entendida como uma resposta às imposições que perseguem as mulheres, inspirando outras a buscarem sua forma particular de fuga.
Trine Dyrholm como Christa e Sandor Funtek como Ari em Nico,1988.
Devido ao seu estilo boêmio durante a década de 60, Nico teve dificuldades em criar Ari e a relação entre os dois ora era afetuosa ora conflituosa uma vez que ela o ofereceu seu primeiro pico.
Eu junto ao pôster do filme no Cine Vitória em Aracaju.
Feliz com um LP ao vivo da Nico na Freedom Rock Tattoo
Feliz com um LP ao vivo da Nico na Freedom Rock Tattoo
Segue abaixo meu post em inglês contando mais sobre a vida da Nico a partir do documentário "Nico-Icon" para o Cine Suffragette:
https://medium.com/cinesuffragette/nico-icon-behind-the-obscurity-of-a-star-58e3eb1b43c0
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