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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Personal Shopper (2016)



A atriz norte-americana Kristen Stewart e o diretor francês  Olivier Assayas firmaram mais uma vez uma parceria no cinema após Clouds of Sils Maria em 2014. Em ambas produções, a temática da crise identitária se faz presente. Na mais recente colaboração, Personal Shopper de 2016, Stewart se torna a protagonista, diferente da anterior, mas uma protagonista que parece invisível aos olhos daqueles com quem interage. Ela interpreta Maureen, uma profissional que faz entregas de peças valiosas para sua chefe e aspirante à atriz, Kyra (Nora Waldstätten). A bordo de uma scooter, a personagem ronda por Paris visivelmente vivendo uma rotina que detesta. Além disso, Maureen perdeu seu irmão gêmeo, Lewis, recentemente, que assim como ela, era um médium e apresentava problemas cardíacos. Os dois moravam numa grande e soturna casa na cidade luz e a promessa de que quem morresse primeiro enviaria algum sinal do além é o que a prende ao lugar. Apesar disso, o filme não se configura apenas como terror com espíritos. Embora a presença de um plasma  assombre a protagonista na sua estadia noturna na mansão, Personal Shopper  traz uma série de simbolismos que o insere em outros gêneros cinematográficos. É importante frisar que a personagem se encontra presa a dois mundos que a torna bastante vulnerável. Seu cotidiano depende das vontades de uma celebridade que nem sequer a cumprimenta. Seu lado espiritual depende de algum sinal de seu falecido irmão. As próprias vontades de Maureen são suprimidas e isso nada mais é que uma alusão à nossa constante busca por algo exterior que preencha o vazio existencial no nosso contexto social atual. Quando o diretor  David Lowery lançou o também filme sobrenatural, A Ghost Story, um ano após Personal Shopper,  ele se apoderou da simbologia fantasmagórica para retratar nosso desespero em não nos tornamos seres insignificantes e esquecidos por aqueles que nos impulsionam a vida. Desse modo, o irmão de Maureen, semelhante à ela, lhe conferia sentido no mundo material. É a partir da busca incessante do contato com imaterial que a personagem enfrenta a sua solidão. 




Quando embarca no Eurostar em direção à Londres, Maureen começa a receber mensagens anônimas  no seu iPhone. Quem está por trás conhece a sua rotina e desvela seus desejos íntimos. Maureen se encontra então apavorada ao mesmo tempo que tentada a ceder aos pedidos de seu stalker. A personagem prova as roupas de sua chefe em seu apartamento, a perigosa sensação de poder se outra pessoa reflete ainda mais a solidão que ela se encontra. O efeito que isso provoca é orgásmico. O imaterial que preenche a necessidade do seu mundo material. Em uma de suas entregas à  sua chefe, Maureen conhece o seu amante Ingo (Lars Eidinger) que se demonstra insatisfeito com término do relacionamento. Numa das noites que Maureen permanece no apartamento de Kyra provando suas roupas, ela adormece e no dia seguinte percebe um ectoplasma que nos transmite um ar de que algo ruim tinha acontecido enquanto ela dormia. Quando nos deparamos com Kyra morta no banheiro pensamos que o espírito cometeu o ato. No entanto, lidamos com uma sociedade em que a solidão não é aceita e a masculina já levou a inúmeros casos de feminicídio em que homens justificam seus crimes por não aceitar términos de relacionamentos. As transgressões sugeridas pelo stalker de Maureen a tornaram suspeita da morte de Kyra. Mas logo nos é revelado que Ingo era o verdadeiro culpado. O jogo que  Assayas faz ao nos deixar tão confusos quanto Maureen sobre o que é real ou fruto da imaginação da protagonista é exemplar. 





A personagem de Stewart visita a ex-namorada de Lewis e seu novo companheiro, que era seu amigo. Ele afirma sentir a presença  do seu irmão pela casa e aconselha Maureen a seguir em frente. Quando ela está sozinha no local, um copo levita e cai no chão. Se o que vemos foi algum sinal de Lewis ou não, temos no final do filme uma interrogativa que torna o filme ainda mais instigante, aberto a uma nova possibilidade. O namorado da jovem está em Oman, na Arábia Saudita e a convida para passar uma temporada com ele. Ao chegar no local, Maureen sente uma presença paranormal novamente. Dessa vez, ela pede para que a presença bata na porta uma vez para sim e duas para não. Quando se vê sem respostas, ela pergunta se aquilo tudo era ela mesma e ouve uma só batida. Seria difícil para mim  não fazer essa análise sem detalhar o decorrer do filme, pois a referência superficial que temos do filme não corresponde ao que ele representa em sua profundidade. Kristen Stewart tem crescido a passos longos como atriz  e esse papel é uma prova disso por conta de seu olhar carregado e jeito desalinhado que refletem o estado de espírito de Maureen. Personal Shopper foi vaiado em Cannes, mas isso não retira a relevância da sua mensagem que podemos carregar após assisti-lo. O mundo material e espiritual que nos confundem, que nos tornam vulneráveis e passíveis de uma crise existencial é parte de nossa sociedade e o filme é só mais uma representação do quanto somos instáveis e presos ao que acreditamos como libertação.   








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